Trajetória de um rio chamado Cachoeira que poucos conhecem

Seja na literatura de ficção ou na acadêmica, inúmeros autores regionais contam e recontam a história e a ode do rio Cachoeira.

A presença do rio Cachoeira foi determinante para a constituição da fundação de Itabuna, pois, foi às margens do seu leito que se escolheu o terreno ideal para abrir as primeiras clareiras que, mais tarde, dariam lugar aos chamados arruados. Aliás, historicamente, foi seguindo o curso do rio que os desbravadores, mais especificamente os sertanistas nas expedições chamadas Bandeiras, avançavam continente adentro. Partindo de Ilhéus para a Vila Imperial da Conquista (hoje Vitória da Conquista) e para a região Minas Novas (hoje o Estado de Minas Gerais) que Itabuna se consolida como importante interposto comercial na rota dos tropeiros.

E esta mesma rota era retroalimentada pelo rio que seguia caudaloso, navegável em parte de sua extensão, principalmente até a região do Banco da Vitória. Atualmente, o rio Cachoeira é uma expressão minimalista do passado glorioso que o caracterizou. O esgoto doméstico e industrial depositado desde os seus afluentes até o trecho urbano que corta a cidade de Itabuna é uma pequena amostra da depreciação vivenciada com o passar das décadas. Desmatamento das áreas de nascentes, a invasão das pastagens, o aterramento para transformação do seu leito em áreas “habitáveis” e a exploração desordenada levam o Cachoeira a uma condição insustentável que já devolve ao homem os clássicos prejuízos.

Assim, entre as consequências diretas, a perda da condição de uso da água e de seus produtos, antes fonte direta de consumo e uso doméstico, cem como de pesca; o estímulo desordenado de determinadas espécies de fauna e flora, como insetos e as baronesas; bem como a intensa poluição do ar e visual, prejuízos que entram na conta dos danos irreversíveis à imagem deste rio que já foi, inclusive, cartão postal de Itabuna.

O curso da história do Cachoeira

Sobre a memória do rio Cachoeira que se tem contada na literatura, a presença de representantes da civilização portuguesa na região tem o primeiro registro em 1935. Neste ano, Francisco Romero aporta em Ilhéus e promove uma rápida inspeção na área de 50 léguas de terra constituía a Capitania de São Jorge dos Ilhéos, a qual chega a tomar posse.

Muitos autores e pesquisadores regionais se debruçaram na história do rio Cachoeira, seja narrativas fictícias ou com documentações geográficas. No entanto, as pesquisadoras Maria Palma de Andrade e Lurdes Bertol destacam-se neste contexto como geógrafas que se aprofundaram na temática, com alguns trabalhos publicados de referência.

Apesar de toda apreciação geográfica do rio Cachoeira, é da dupla de pesquisadoras que também se extrai uma conceituação primordial sobre o rio em questão. Segundo elas, o rio Cachoeira não é só uma referência geográfica, é um patrimônio histórico, é o próprio testemunho da essência de Itabuna e da região, uma vez que, pelas suas margens, penetraram os desbravadores como Félix Severino do Amor Divino e Manoel Constantino, que deram origem à cidade. As pesquisadoras acrescentam: “Por ele chegaram os frades que catequizaram os índios, e os naturalistas que vieram estudara flora, como Von Martius e Von Spix”, finalizam.

Constituição geográfica

O rio Cachoeira, com 12 km de extensão dentro do município de Itabuna, e 50 km desde a sua junção com Colônia e Salgado até sua foz em Ilhéus, desaguando no Oceano Atlântico através da baía do Pontal, em Coroa Grande (Ilhéus).

Principal rio que divide em dois territórios o município de Itabuna, o Cachoeira é constituído pelos rios Salgados, que nasce na serra do Salgado, no município de Firmino Alves, e o Colônia, este último conceituado como principal afluente do Cachoeira. Ambos os formadores da bacia do rio Cachoeira são importantes no contexto da região sul da Bahia, pois banham 11 municípios, sendo eles Itabuna, Ilhéus, Itapé, Itororó, Itapetinga, Firmino Alves, Floresta Azul, Jussari, Itaju do Colônia, Ibicaraí e Santa Cruz da Vitória.

Segundo descreveram as pesquisadoras Maria Palma de Andrade e Lurdes Bertol, as características geomorfológicas da área da bacia, como forma de relevo, geologia e outros, influenciaram os rios quanto a drenagem, que é do tipo exorreica (desembocam no litoral) e quantidade de sedimentos. No leito raso, a afloramento das rochas forma corredeiras, o que impede a navegação. Em toda a área da bacia, apenas uma cachoeira, denominada Pancada Formosa, é encontrada no rio Salgado, com 12 metros de altura, localizada na Fazenda São Jorge, no município de Ibicaraí. Nela foi construída uma hidrelétrica, com potência de 300 kw, destruída pela enchente de 1964.

Com o regime dos rios da bacia do Cachoeira classificado como pluvial, a devastação de grande parte da vegetação florestal ao longo de suas margens contribui para deixar os rios desprotegidos. O fenômeno do assoreamento pode ser registrado em vários pontos dos leitos dos rios, com sedimentação das margens no período das chuvas fortes. Por outro lado, a diminuição das chuvas nas cabeceiras dos formadores da bacia, nos períodos de estiagem prolongada, altera a descarga, diminuindo a vazão.

“O ecossistema que envolve toda a bacia está num estágio avançado de degradação e poluição, principalmente em áreas próximas aos centros urbanos. A bacia do rio Cachoeira está afetada pela erosão das vertentes, em consequências do desmatamento, esgotamento do solo, pelo uso inadequado, pelos esgotos urbanos e industriais, pela falta de saneamento de todas as cidades que estão às suas margens, pelos lixões que estão criados em lugares impróprios, por doenças resultantes de poluição generalizada. Pela importância dos rios para os municípios por eles banhados , e o fato de a água ser um elemento essencial à vida, passou-se a planejar a recuperação, preservação e monitoramento do meio ambiente, através de uma política de utilização racional da bacia, protegendo-a dos problemas que a afetam”, trecho do livro De Tabocas a Itabuna, de Maria Palma Andrade e Lurdes Bertol Rocha, Editus, Ilhéus, 2005.

Edição especial 2013, caderno história.
Fotos: Fernanda Oliveira e Cedoc/Uesc