Ser botafoguense é um estado de espírito

Walmir Rosário*

Não dá pra esconder que tenho horror dos velhos chavões, principalmente os eternizados no mundo do futebol pela nossa crônica radiofônica, mas aqui não posso me furtar de narrar uma delas, como fazia João Saldanha: “Tem coisas que somente acontecem com o Botafogo”. Em 99,9% das histórias e estórias do Glorioso elas precisam ser ditas para melhor explicar o que acontece com os clubes chamados Botafogo pelo Brasil afora.

Com o Botafogo a frase deixou de ser um chavão, um bordão, para ser uma afirmação, uma constatação de que aquilo que se conta realmente aconteceu, mesmo que fujam aos padrões de comportamento nos clubes de futebol. Um exemplo claro e límpido é o caminho percorrido pelo clube na Série B do Campeonato Brasileiro de 2021, no qual não era considerado sequer um azarão.

Saímos de menos 10 para mil apenas num piscar de olhos, quando ninguém, nenhum ser vivente apostaria que o Fogão levantasse a taça de Campeão, cujo título foi conquistado com uma rodada de antecedência. Desculpe, faço aqui um reparo: nós botafoguenses acreditávamos, para desespero dos torcedores adversários da Série B e, inclusive dos flamenguistas, que nada tinham a ver com a competição.

Ouvimos – quase sempre calados – as provocações dos torcedores do time do “cheirinho” e ainda por cima tivemos o privilégio de “secá-los” no jogo contra o Palmeiras, na final da Série A do Brasileirão, em Montevidéu, no Uruguai. Isso já com a taça de campeão assegurada e com toda a disposição de comemorar mais esse feito no dia seguinte. Para nós botafoguenses nada de anormal.

Éramos chamados de molambos, time da segunda divisão, sem os recursos financeiros suficientes para manter uma equipe de ponta, com jogadores famosos e de salários astronômicos. Éramos uma equipe módica, porém decente, que buscava um lugar no topo dos certames, como antes. E o Botafogo, com sabedoria, soube fritar o porco (não o Palmeiras) com a própria banha.

Bastou um acerto da diretoria ao contratar um técnico que soube – como ninguém – apaziguar os ânimos, encorajar os atletas, recuperar a autoestima, que os resultados positivos começaram a aparecer. E apareceram como era de se esperar, com o fim dos desentendimentos dentro e fora de campo, melhorando o psicológico, fazendo render as jogadas com os gols marcados.

Sem alardes – como não quer nada –, a equipe passou a render conforme se esperava e o apoio da torcida, aquela que é chamada de minúscula pelos sofredores flamenguistas e que cabe apenas numa kombi, se agigantou. E o Botafogo deixou as últimas posições e foi se aproximando da turma de cima, sem se importar com os prejuízos causados pelas sucessivas arbitragens. Jogou para vencer, sempre.

Compreendo perfeitamente a atitude dos flamenguistas que se metem na seara alheia – Série B – apenas para tentar zombar da fase ruim que o Botafogo atravessou e ainda atravessa, porém em curva ascendente. Mesmo assim, aviso constantemente que a gozação contra o Botafogo não apagará – jamais – as dezenas de derrotas acachapantes sofridas por eles ao longo dos anos.

Os flamenguistas jamais se livrarão daquelas famosas derrotas para o Botafogo, a exemplo do “Jogo do Senta”, que não vemos acontecer nos campos de pelada, os famosos babas, nos quais os jogadores amadores ou de finais de semana perdem o jogo com a cabeça erguida. E procedem assim porque sabem que na semana seguinte podem vir à forra, aplicando uma goleada ou até mesmo um marcador modesto, porém vitorioso.

Tenho muitos amigos flamenguistas, os quais desfruto de muito momentos de bate-papo, seja no trabalho ou em eventos de cultura e lazer, principalmente em mesa de bar, onde ouço as bravatas e dou risadas. Bem, é preciso explicar: isto se o Flamengo estiver ganhando as partidas, quando aparecem todos uniformizados, com o grito de guerra pronto na garganta.

O Deus nos acuda acontece quando os flamenguistas perdem um jogo, ocasião em se tornam indisponíveis, não atendem aos chamados telefônicos, somem das redes sociais, como se o mundo ficasse sem internet por um breve período. Ainda não encontrei vocabulário ou qualquer explicação técnico-científica para esse “tilt”, como se diz na gíria da telemática, cibernética ou qualquer outro adjetivo existente em qualquer linguagem.

Enquanto os flamenguistas sofrem quando perdem os jogos e querem expulsar os atletas ou técnico, nós botafoguenses nos orgulhamos de nossas equipes constelações que desfilaram nos campos de futebol por anos a fio. Como poderemos esquecer as diversas seleções brasileiras que atuavam com os jogadores do Botafogo, às vezes na sua totalidade. Basta dar uma olhada na escalação das seleções vencedoras.

Que me perdoem as torcidas adversárias, ser botafoguense é um estado de espírito!