A reabilitação da hidroxicloroquina

Por Walmir Rosário*

Num país de mercado aberto os produtos são de escolha da população, que os consomem de acordo com os padrões de beleza, durabilidade, luxo, gosto paladar e eficácia, bem como a disponibilidade do bolso. Conta a lenda, que muita gente boa, ao ser flagrada no mercado comprando carne de pescoço, fazia questão de dizer em alto e bom som: “Corta uns dois quilos dessa carne para os meus cachorros”, e saia com o nariz empertigado.

Era a turma conhecida por comer pelanca e arrotar caviar. Até hoje existem essas pessoas, pois Deus concedeu o direito de vivermos neste mundo dentro do princípio do livre arbítrio. E pelo que tenho observado, essas aves raras continuarão a povoar o planeta terra com todas as regalias, inclusive a de renegar até os medicamentos. Ora, se Pedro negou Jesus por três vezes, o que não podem fazer os pobres mortais?

Temas bíblicos a parte, estamos tecendo algumas pequenas considerações à hidroxicloroquina, medicamento com mais de 70 anos curando pessoas de diversos males na face da terra. Considerada tão essencial que é vendida sem receita médica e recomendado o uso pelos agentes da vigilância epidemiológica no norte do país assim que diagnosticada a malária.

Além da malária, tem serventia no tratamento de outros males como tratamento de artrite reumatoide, lúpus eritematoso, porfiria cutânea tarda, febre Q e doenças fotossensíveis, conforme dito na enciclopédia livre Wikipédia. Antes, não era recomendada para a Covid-19 pelo simples motivo que a doença ainda não incomodava as pessoas, como faz atualmente.

A droga foi sintetizada em 1946, por Surrey e Hammer, e aprovada para uso médico nos Estados Unidos em 1955. Faz parte da extensa Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma lista dos remédios mais eficazes, seguros e fundamentais num sistema de saúde. De repente, sem mais nem menos é banida da lista e reincorporada algumas vezes, para tratar a Covid-19.

De um lado, um dos medicamentos vovôs das farmácias passa a ser visto e execrado como um vilão a matar, estropiar e maltratar a saúde das pessoas, que até pouco tempo eram curadas por esse simples remédio. De um lado, o preço em que era vendido não ajudava a sua reputação de medicamentos conceituados, daqueles vendidos a preços altíssimos, quem sabe divididos em módicas parcelas mensais.

É o mesmo que um doente – chamado de paciente, não sei o motivo – ir a um consultório particular e, após os exames, o médico decretar que a dor de cabeça do distinto é coisa de somenos importância e que apenas um ou dois comprimidos de Melhoral ou Cibalena o deixará novinho em folha. Boquiaberto, o ex-doente não acredita que pagou uma consulta de R$ 300,00 para ser curado com um remedinho de apenas R$ 3,00.

A primeira coisa que lhe sobe a cabeça é que o médico não é dos melhores, não é conhecedor dos conceituados últimos lançamentos dos laboratórios farmacológicos internacionais, que vendem seus produtos em euros ou dólares. Ser medicado com um comprimido vendido em qualquer quitanda não entra na cabeça de um paciente que tinha incorporado todos as características de doente.

Por outro lado, com o avanço tecnológico da medicina, que dispõe dos mais modernos equipamentos para realizar exames de alta complexidade e profissionais altamente especializados, não fica bem receitar um medicamento simples, daqueles localizados no alto das prateleiras das farmácias. Corre o risco de descaracterizar os anos de estudo em operar os equipamentos e ler os complicados gráficos e manchas estranhas.

Ora, um vírus importado da China e com a capacidade de criar uma pandemia não pode ser tratado com um medicamento qualquer, ainda mais por não desfilar pelas páginas de revistas científicas com artigos tecendo loas às qualidades do produto, aprovado nos testes de equivalência farmacêutica e de bioequivalência. Pouco importa se efetivamente curou pessoas, como afirmaram muitos médicos, falta comprovação científica.

Faltou à hidroxicloroquina o componente ideológico e comercial que poderiam lhe conferir poderes curativos, como se para salvar vidas fossem condição primordial ter aparecido nas colunas sociais de jornais e revistas. Aos poucos, com a teimosia generosa de médicos abnegados, conseguiu sua reabilitação. Muitos fizeram uso do medicamento, embora negassem por três vezes, como Pedro.

Sem condições de sustentar a narrativa de desconstrução do medicamento, enfim a maldita hidroxicloroquina passou a fazer parte dos processos licitatórios públicos aos quais esteve proibida por meses a fio. Enfim, a vida humana passou a valer mais no complicado mercado ideológico, que não deve ter vencidos e vencedores se não comemorada a vitória da ciência sobre a maldita doença causada pelo Coronavírus.

*Radialista, jornalista e advogado