Por José Nazal*
Início da década de 1970 do século passado, Edmond Darwich assumiu o governo do município de Ilhéus depois de vencer a Gilberto Fialho na eleição. Era o tempo do bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e ele governou com apertada maioria na Câmara Municipal.
No Legislativo, palco de acaloradas discussões em busca da defesa do melhor para a cidade, em uma das sessões, o vereador Manoel Paulino de Oliveira, popularmente conhecido como Maneca do Caixão (dono da funerária mais luxuosa da cidade), apresentou um requerimento sugerindo que fosse construído um muro no Cemitério São João Batista – no antigo Distrito de São João da Barra do Pontal, muito antes de ser bairro –, pois estavam ocorrendo ações de vândalos danificando túmulos, inclusive, com roubo de metal dos ornamentos.
Maneca sempre discursava com veemência, mais ainda se no dia tivesse esquentado os dentes com uma boa pinga, esfriando-os depois com umas cervejas durante o almoço.
No grande expediente, após a apresentação da proposta, o professor e vereador Cláudio Silveira, que já estava inscrito para falar, mudou seu discurso e foi frontalmente contra a proposta de Maneca, alegando que o recurso público a ser gasto na construção do muro seria melhor aplicado na reforma de, pelo menos, dois colégios, com melhores condições para os alunos.
Pronto. Bastou o contraditório para que os ânimos fervessem. E tome-lhe réplica, tréplica… Enfim, um desacordo completo! Foi aí, no ponto mais alto da discussão, em que os dois falavam ao mesmo tempo, defendendo suas posições, que o vereador Jocelim Macêdo fez sua intervenção:
– Caros colegas, meus nobres edis, vossas excelências permitam-me um aparte –, disse com voz firme e forte (naquele tempo não tinha sonorização nas sessões) –.
Em respeito ao colega, de pronto os dois permitiram e pediram a fala. Do alto de sua experiência de vida, Jocelim fez sua intervenção, inicialmente saudando os companheiros:
– Meus queridos amigos e colegas de legislativo, obrigado por me permitirem intervir, com o único e exclusivo intuito de resolver essa questão. A você, meu amigo Maneca, tenho a dizer que nossa amizade não é apenas dentro dessa casa legislativa. Nossa amizade remonta há muitos anos e vem sendo confirmada pelos nossos encontros diários, especialmente nas mesas dos bares que frequentamos, de segunda a domingo, um dia no Bar Atlântico, do nosso amigo Manolo Barral; ou no Barril, onde Maynard serve o chopp mais gelado da Bahia; no Pif-Paf de Turquinho; com João Nepomuceno Filho, o nosso Garangau; nos Bancários, para comer o caranguejo do João; sem falar em tantos outros pontos que juntos frequentamos. Desta forma, em nome dessa nossa amizade, me sinto à vontade para sugerir que abra mão do seu projeto e apoie o do vereador Cláudio Silveira. Ao vereador Cláudio, que conheço menos do que Maneca, mas tenho certeza de que, sendo filho do grande cidadão João Rodrigues Silveira, jamais se negará a permitir que os dois assinem juntos esse requerimento. A você, querido Maneca, além desse pedido que faço em nome de nossa amizade, ofereço ainda um argumento na tentativa de convencê-lo da minha proposta: vale mais a pena usar os recursos para as reformas das escolas do que para fazer o muro do cemitério. O cemitério não precisa de muro porque quem está dentro não pode sair e quem está fora não quer entrar! – concluiu.
Rindo muito, Maneca do Caixão concordou.
* Memorialista, fotógrafo e ex vice-prefeito de Ilhéus