Por Walmir Rosário*
Me lembro como se fosse hoje dessa história, passada ainda no tempo da ditadura militar que governava o Brasil, e é absolutamente verdadeira. Vi com os meus olhos que a terra há de comer, como diz um antigo ditado popular. Era uma greve geral de bancários em Itabuna e o sindicato da categoria mobilizava seus filiados em frente às agências do Baneb e do Bradesco, ambas na avenida do Cinquentenário.
Todos os bancários paralisados, os caixas eletrônicos sem cédulas e os funcionários com cargos de direção impedidos pelos grevistas de fazer a reposição, provocando uma confusão sem precedentes. Àquela época os cartões de crédito não eram populares como atualmente e a população encontrava sérias dificuldades em fazer compras, pois nem todos os estabelecimentos comerciais aceitavam o dinheiro de plástico.
Os cheques eram aceitos em praticamente todo o comércio, mas com algumas restrições, a mais comum delas a verificação junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), cuja consulta era feita por telefone. Nos supermercados as filas eram enormes e impacientavam os clientes e funcionários, que nada podiam fazer com acabar com o sufoco criado pela greve.
E como diziam os bancários, greve é para incomodar mesmo, do contrário não valia nada, não atingia os objetivos, fazendo com que as partes sentassem-se civilizadamente à mesa de negociação. Enquanto isso não acontecia, nas ruas, de um lado os grevistas, com faixas, cartazes e muitos discursos repercutidos no carro de som do sindicato, e de outro a Polícia Militar apenas observando o movimento paredista.
No comando da tropa, o ainda tenente Souza Neto – hoje coronel reformado – com parte do efetivo policial em frente a agência do Bradesco. Cerca de 100 metros a frente se localizava a agência do Baneb, onde o sindicalista Luiz Carlos Sena, empregado do Banco do Brasil e dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) incitava os camaradas para não esmorecê-los do movimento.
De vez em quando um cliente chegava para tentar sacar algum dinheiro e era prontamente impedido pelos bancários grevistas, que não permitiam o seu ingresso na antessala da agência, local dos caixas eletrônicos. A agonia e impaciência do cliente era motivo de galhofa dos grevistas, que diziam para ele se virar, pois agora quem mandava nos bancos era o sindicato. Ali ninguém entrava.
E, ainda por cima, sugestionavam que o cliente fosse convencer os donos dos bancos para aumentar o salário dos bancários, e as agências voltariam a funcionar imediatamente em todo o Brasil. E, bandeiras do sindicato e da CUT em punho, amedrontavam o pobre do cidadão, que nada tinha a ver com a briga entre patrões e empregados, com o discurso marxista da mais valia.
E a Polícia Militar tinha ordens expressas para não recrudescer e apenas olhar, manter a calma e somente intervir caso a situação ficasse fora do controle. Os policiais no lado de fora do passeio, parte dos grevistas – a chamada comissão de convencimento – postada em frente às portas das agências bancárias e outra parte no interior, para garantir que ninguém conseguisse ludibriar os companheiros de fora.
Numa cidade como a Itabuna do começo dos anos 1980 todos – policiais e bancários – se conheciam e nas horas mais tranquilas chegavam mesmo a bater papo com a finalidade de diminuir a tensão. E assim passavam os dias postados em frentes aos bancos, cumprido ordens: Os bancários para não deixar os clientes ter acesso ao interior do banco e os policiais militares para evitar qualquer tipo de confronto.
E esse clima amistoso permanecia também entre os dirigentes sindicais e o comando da tropa, que mantinham distância somente nos momentos mais tensionados, até que a situação voltasse à normalidade. Apesar de atuarem em campos opostos, o bancário Luiz Sena e o Tenente PM Souza Neto sempre foram amigos e, ao avistar o militar que vinha chegando para comandar a tropa, o comunista parte para ele e começam um bate-papo amistoso, com muita gesticulação por parte de Luiz Sena.
Ao perceber Luiz Sena apontando o dedo para ele a todo o momento, mesmo sendo o teor da conversa sobre amenidades, o Tenente Souza Neto não titubeou e segurou a mão de Luiz Sena com força e ainda lhe passou um sermão:
– Tire seu dedo da direção do meu rosto, pois seu povo está olhando e pensando que você está me pagando “sugesta” e meus comandados tendo a impressão que estou fraquejando, o que pode desencadear alguma animosidade. Aqui, quem foi treinado para bater fui eu, e para apanhar foi você – gritou Souza Neto, jogando a mão do sindicalista para trás, diante do espanto dos bancários.
Mas tudo terminou bem!
*Radialista, Jornalista e advogado