Durval Pereira da França Filho*
Meu primeiro contato com Tyrone foi no Grupo Escolar Quinze de Outubro, em 1959, quando éramos estudantes na 5ª série primária e candidatos à segunda turma do GOB – Ginásio Osmário Batista, inaugurado em 27 de setembro de 1958, e com aulas iniciadas em março de 1959. A segunda turma seria a nossa. O nome que constava na matrícula era Tyrone Carlos de Carvalho Perrucho, filho do cabo Wallace Mutti Perrucho (1923-2014), vigilante da costa em tempo de guerra, e da adolescente Glacy Cardoso de Carvalho (1928-2010). O nome foi uma homenagem ao ator norte-americano Tyrone Power (1914-1958).
Foi a partir do Grupo Escolar Quinze de Outubro que nasceu nossa amizade.
Essa amizade se desenvolveu em um grande momento, quando frequentamos a Igreja Adventista no início dos anos 196O. Estivemos juntos em alguns eventos interessantes, como retiros de Carnaval, com ele sempre presente e participativo. Depois, ele saiu e eu fiquei.
No final da década de 1960, ele casou com Maria Dajuda, minha prima, o que veio fortalecer ainda mais a nossa amizade. Foi nesse momento que ele me convidou, junto com Almir Oliveira Nonato, Antônio Amorim Tolentino, Lindbergue Hermes e Raymundo José dos Santos, para participar da criação de uma revistinha chamada Tabu que, posteriormente, transformou-se em tabloide, um nome emblemático. Contra todas as expectativas, o Tabu durou 50 anos, algo nunca visto em um jornal noticioso em Canavieiras, ou na região. Eu estive com ele em todos os momentos e em todas as circunstâncias.
Por esse tempo, estivemos juntos em Itabuna. Numa aventura desesperada, eu cursava Letras com Francês, na antiga FAFI – Faculdade de Filosofia de Itabuna. Tyrone trabalhava na CEPLAC. Ficávamos hospedados na mesma pensão, ali na rua Ruy Barbosa. Nas horas vagas, ele produzia o Tabu e eu, além de trabalhar no Banco do Brasil em Canavieiras, dava aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no CEOB – Colégio Estadual Osmário Batista. Não me perguntem como.
O que eu posso dizer é que a BR 101 ainda não existia. Estava em construção e, quando chovia era natural o ônibus atolar e nós, passageiros, armados de muita paciência, tínhamos que esperar bastante.
No início de 1976, ano do centenário de nascimento do escritor Afrânio Peixoto, por iniciativa dele, Tyrone Perrucho, Durval Pereira da França Filho, Hermenegildo Nunes e Silva, e o próprio Tyrone realizamos viagem a Lençóis/BA. Fomos levantar dados para a programação que Canavieiras estava preparando a fim de comemorar o centenário de nascimento do escritor e cientista Afrânio Peixoto, filho de Lençóis e canavieirense adotado. Em Lençóis, mantivemos entendimentos com a Casa de Cultura Afrânio Peixoto, com o prefeito da cidade e outras pessoas interessadas no assunto. Essa viagem teve o patrocínio da Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores de Canavieiras.
A sessão comemorativa ocorreu no dia 11 de dezembro de 1976, no salão nobre da Loja Maçônica União e Caridade. A Mesa Diretora dos trabalhos foi presidida por Durval Pereira da França Filho, representante da Comissão Organizadora, e secretariada por Tyrone Carlos de Carvalho Perrucho.
Ele era assim. A despeito de suas brilhantes ideias, não gostava do proscênio nem dos holofotes, mas limitava-se ao fundo do palco ou aos bastidores.
Para o 25 de maio de 1993, na comemoração dos 25 anos de fundação do jornal Tabu, produzi os seguintes versos em forma de paródia, os quais denominei de Perruchíadas.
Cantem musas do Parnaso, cantem todos
Os feitos gloriosos do passado.
Por rios nunca dantes navegados,
Enfrentando a borrasca e a cruviana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que entendia a força humana,
Nossos bravos um reino edificaram
Entre gente que tanto sublimaram.
Também cantem memórias gloriosas
Dos coronéis que foram dilatando
As promissoras terras do cacau,
O Poxim e outras devastando,
E aqueles que por obras valorosas
O seu nome na história vão deixando.
Parodiando o direi por toda parte,
Buscando de Camões engenho e arte.
Cessem vozes de poetas e de bardos
E de todas as obras que fizeram,
Cantando as belezas desse Pardo
E de todas as grandezas que tiveram,
Que eu canto os Perrucho soberanos,
Que brilhante ideia conceberam.
“Cesse tudo que a musa antiga canta”,
Que um Tabu mais alto se alevanta.
Festejemos filarmônicas e fanfarras,
Violas, violões, címbalos, sinos,
Bandolins, trombones e guitarras,
Com a verve de Fernando e Tolentino;
Com as crônicas de Tyrone e Adelmar,
Com Calhau, com Ferrer e com Sabino,
Com Messias, com Thesbita lá no Sul,
Festejemos “as pratas” do Tabu.
Dez anos após a virada do século, ele me encaminhou um comentário sobre o meu aniversário dizendo que “envelhecer é o único meio que se encontrou até hoje de se viver muito”, conforme diziam por aí…. E afirmava que não tinha “nem um pinguinho de inveja” dos meus 65 anos, porque os dele ocorreram um pouco antes. . “Como se vê,” – dizia ele – “estamos em marcha batida em direção à eternidade (…), comemorando com os leitores daqui e alhures a nova idade do estimado professor, historiador, colaborador e amigo, via o oportuno artigo sobre a efeméride da lavra do professor Paulo Aguiar”.
Quando a ALAC – Academia de Letras e Artes de Canavieiras foi criada em 02 de setembro de 2003, numa reunião da Assembleia, indiquei o nome de Tyrone Perrucho para integrar o quadro efetivo do sodalício. Foi aprovado por unanimidade. Após os procedimentos de praxe, fui levar a notícia. Então ele me disse:
– Durval, sinto-me muito agradecido pela indicação. Mas não aceito o convite. Fazer parte da Academia é uma honra, mas também é uma grande responsabilidade, e o que eu quero, agora, além de fazer o Tabu, o que eu quero mesmo é “vagabundear”.
O Tabu encerrou suas atividades em papel em 2018 e então a ALAC – Academia de Letras e Artes de Canavieiras prestou sua homenagem ao fundador e mantenedor do jornal através de 50 anos. Eu fui escolhido para fazer a homenagem, mas ele não compareceu e se fez representar pela filha Tainá. Dia seguinte, fui saber dele porque não comparecera ao evento, e ele respondeu:
– Fiquei muito feliz pela homenagem, mas eu sabia que você ia aprontar pra cima de mim. Você queria que eu chorasse à vista de todo mundo?
Quando do falecimento dele em 12 de janeiro de 2021, me comoveram as palavras de sua filha Tainá: “Meu pai se foi, professor. Meu amigo, meu pai, meu mestre”. Tomado pela emoção, recordei as palavras de Brunilde Aureli Brito, quando da morte de seu pai, o jornalista Willy Aureli, em 1968, ano da criação do Tabu: “desaparecia o meu amigo mais querido, o meu conselheiro mais sensato, o meu confessor mais paciente (…), meu pai”.
Tyrone se foi ainda cedo nessa grande viagem sem volta, mas sempre será lembrado pelo legado que deixou. Múltiplo e singular. Saudades.
*Historiador