Por Clóvis Góis *
Raquel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, morou em Itabuna por alguns meses. Que influência nossa cidade teria deixado sobre a mente da “imortal”? Seria aqui aplicável a máxima de Leonardo Boff, quando afirma que “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”? Ela, por oito meses, calcou os pés em nossa terra, onde viu, ouviu, leu e viveu a nossa grapiunidade. Que impressões foram paridas a partir da relação octomestral ocorrida entre a poetisa e Itabuna?
Em 1933, acompanhando seu esposo, José Auto da Cruz, que fora transferido para a agência local (0070) do Banco do Brasil S/A, a cearense, então com 22 anos, chega à nossa cidade. À época ela já havia publicado “O Quinze” (1930), romance que apresenta como tema central a seca de 1915, que assolou o Ceará, sua terra natal. Aqui, chegou a ter contato literário com Jorge Amado e Adonias Filho.
Teria a vivência local produzido inspiração em sua produção literária futura? Como o solo sul baiano teria influenciado na intelectualidade da romancista? Isso caso tenha efetivamente ocorrido. Não se sabe. Não há nada que comprove.
Sabe-se que a cultura de um povo, quando latente e forte, produz impressões duradouras e resultados impactantes no indivíduo externo que nela emerge.
Teria a rápida ocupação do solo itabunense e a diversidade de povos formadores da pólis colaborado para que não tivéssemos uma cultura duradoura?
Será que a cidade cosmopolita e que viveu intenso fluxo migratório (inicialmente de entrada; depois, na década de 80 em diante, de saída), ou mesmo o êxodo rural, contribuíram para perdas na memória coletiva, resultando assim num dilaceramento da nossa identidade e, por fim, extraviado do seio regional bens culturais importantes, cujo resgate se mostra irreversível?
Que usos, costumes, crenças e saberes restaram dos primitivos povos nativos ou dos primeiros colonizadores? Talvez, e tomara que eu esteja errado, os dedos de uma única mão sejam suficientes para enumerá-los.
Alguém já fez algo para evitar o ostracismo cultural? Existem ilhas de resgate, proteção e preservação, que rivalizem com o oceano da massificação, da globalização e da cultura inautêntica? Existem exceções?
Zélia Lessa, em sua inconfundível obra-prima, a peça-coral “Rapsódia Grapiúna”, é um exemplo ímpar de alguém que colaborou para resgatar o folclore e a cultura nascidos nos recônditos das roças de cacau, praticamente o ninho da grapiunidade. As cantigas e as falas contempladas na obra possui um rico repertório popular, resultante do intercâmbio de saberes das gentes e etnias que alavancaram a região cacaueira baiana: pretos, índios e sertanejos desfavorecidos economicamente – grupos propositalmente invisibilizados pela história local.
Há necessidade urgente de que ocorra uma força-tarefa que envolva interessados (iniciativas pública e privada) em salvar o pouco que ainda resta da autêntica cultura grapiúna, sob pena de nos tornar, ainda mais, um povo sem identidade!
*Clóvis Silveira Góis Júnior, Administrador, Escritor e Autor do livro Sequeiro do Espinho: passos de um conflito, pela Ed. A5.
Olá, salve! A iniciativa é imprescindível, é louvável Realmente, “Há necessidade urgente de que ocorra uma força-tarefa que envolva interessados (iniciativas pública e privada) em salvar o pouco que ainda resta da autêntica cultura grapiúna, sob pena de nos tornar, ainda mais, um povo sem identidade!” . Tenho me preocupado muito com esse contexto. Estamos diante de um patrimônio imaterial, que nossa maestrina, professora Zélia Lessa colaborou de maneira singular para mantê-lo em evidência e ressoando a cultura grapiúna. O movimento é pra já. Estou à disposição, enquanto artista itabunense e integrante do Coral Cantores de Orfeu. Haveremos de encontrar parcerias para trilharmos um caminho de resgate a esse patrimônio cultural. Um abraço e obrigada pelo relevante texto.