Por Walmir Rosário*
Assim que foi anunciada sua morte, li, em algum lugar, que morria Edson Arantes do Nascimento. Pelé continuaria vivo para sempre. Considero essa singela homenagem digna de Pelé, o Rei do Futebol, título de nobreza a ele consagrado sem qualquer favor, herança, ou tomado de outrem na política. Nada disso, ganhou diretamente do povo do mundo inteiro que se deslumbrava quando o via jogar o maravilhoso futebol.
E Pelé já foi considerado uma das maravilhas do mundo, sem qualquer favoritismo. Poucos chegaram mais ou menos perto de jogar o deslumbrante futebol que demonstrava em campo. Com maestria, recebia a bola do companheiro de clube ou seleção, matava-a no peito, e a fazia rolar até qualquer um dos seus pés, driblando os adversários, dando um passe para o jogador mais bem colocado, ou simplesmente despachando para o gol.
E o resultado não era outro, senão o fundo do gol, bola no filó, ou como narrava o competente Orlando Cardoso, “O barbante estufou, o escore mudou”. Não restava outra opção ao goleiro, que buscar a pelota atrás dos três paus e despachá-la para a marca central do gramado, para uma nova saída. E assim que a bola entrava no gol, Pelé impulsionava seu corpo para o alto com o punho estendido. Era sua marca registrada.
E desde os 15 anos de idade, quando chegou ao Santos, Pelé derruba tabus dentro e fora de campo, para o costumeiro delírio dos torcedores. Era o que chamamos de reserva de luxo. Afinal, ser substituto de Del Vecchio não era para qualquer um. Os dois – Pelé e Del Vecchio – eram os artilheiros absolutos do Santos e dos campeonatos que participavam, e com dezenas de gols marcados nas equipes adversárias.
Pelé encantava! Não somente as torcidas, mas e também os companheiros e adversários. Ele, e somente ele, conseguia antever as jogadas futuras, vislumbrava o campo por inteiro enviava a bola para quem melhor a pudesse aproveitá-la. Em frações de segundo, Pelé planejava a trajetória da bola, privilegiando os melhores colocados. Daí, se colocava nas proximidades da grande área. Era só ouvir a torcida delirar. Era mais um gol de Pelé!
E não é que Pelé continua desbancando até agora os esquemas aplicados nos jogos? Em nenhum momento privilegiava o jogo recuado, só quando o Santos ou a Seleção Brasileira resolvia punir o adversário com o famoso olé. Jogava pra frente, em direção ao gol adversário, com dribles muitas vezes desconcertantes, passes precisos. O objetivo era marcar os gols, e eles vinham como esperado.
Não tenho certeza de quem o consagrou Rei do Futebol, mas na crônica A Realeza de Pelé, Nélson Rodrigues descreve: “Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento”. Não satisfeito, o dramaturgo vaticina: “Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”. E não deu outra.
Em 1957 se destacou no cenário nacional esportivo, o que lhe garantiu vaga na Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1958. Saiu do Brasil como reserva de outros monstros sagrados do futebol e conseguiu se firmar após contusões de jogadores concorrentes e sua destacada atuação. Era o garoto de 17 anos que fazia brilhar o esporte bretão com jogadas bonitas, maravilhosas e certeiras. Pelé volta ao Brasil campeão do mundo.
Em 1962 a convocação para Seleção Brasileira que disputaria a Copa do Mundo no Chile era Pelé e mais 10, mesmo que dentre eles estivessem Garrincha, Didi, Zagalo, Zito, Vavá e outras estrelas. No primeiro jogo, contra o México, driblou toda a defesa e marcou. No segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, sofreu uma contusão que o tirou do certame e foi bem substituído por Amarildo. Esta foi a copa de Garrincha.
Em 1966, não é bom nem falar, foi caçado em campo e saímos na primeira fase. Tal e qual uma fênix, ressurge na Copa do México, comanda a seleção e se consagra de novo. Era tricampeão, apesar de ser considerado acabado para o futebol. Vai para o Cosmos e transforma o futebol (lá chamado Soccer) uma “febre” nos Estados Unidos. Mais uma vez demonstra ser a majestade do futebol.
Que realeza faria o que Pelé fez no continente africano, aproximando inimigos históricos, fazendo parar guerras enquanto se apresentava nos jogos? Nenhuma outra realeza, daquelas ungidas por hereditariedade, ou por decisões políticas, jamais conseguiram uma proeza dessas. Ainda tem o Pelé do milésimo gol, marcado contra o seu time de coração, o Vasco, quando foi mal interpretado ao defender as crianças pobres.
Por ser quem foi a vida inteira, Pelé brilhou no futebol, venceu na vida como pessoa, conseguiu feitos como embaixador do futebol, homem de marketing, amigo dos amigos, muitas vezes não retribuído, ministro dos Esportes, enfim, em tudo que participou. De minha parte, faço coro aos que consideram Pelé eterno. Aos que sabem jogar bola, e bem, que se contentem com o nobre título de Príncipe, o que não é pouca honraria.
Edson Arantes do Nascimento se foi, Pelé fica nos nossos corações.
Foto: Acervo do Santos Futebol Clube
*Radialista, jornalista e advogado.