Walmir Rosário*
Podem falar da Canavieiras de tempos idos quem quiser, mas os que viveram àquela época, apreciadores de uma caninha da roça, uma cerveja bem gelada e os mais exigentes, que preferem gim, vermute, whisky e outras bebidas importadas tiveram do bom e do melhor. Pois tenham ciência que aqui pra bandas da Princesinha do Sul essas beberagens nunca faltaram, melhor dizendo, sempre foram encontradas em profusão.
E tenho uns amigos que se lembram com muita saudade da falta daqueles bares, um deles, que atualmente não bebe mais, sempre se emociona quando lembra deles que chegam a escorrer duas lágrimas faces abaixo. É o Antônio Amorim Tolentino (Tolé), bebedor de boa cepa, hoje considerado traidor das causas etílicas e que conta com muita satisfação a localização dos bares e as nuances de cada um.
Não tenho ciência do mal que praticamente exterminou esses bares e botecos, mas é certo que tal e qual um fungo exterminador como o da vassoura de bruxa varreu eles das ruas, praças, avenidas e travessas. Alguns poucos teimaram em continuar sentando praça e servido a antiga e nova freguesia – hoje chamada de clientela –, mas sem o glamour de tempos pretéritos.
Quer dizer, salvando algumas pequeníssimas exceções, ainda encontramos firmes e fortes o Berimbau; o Mac Vita, onde tudo acontecia em Canavieiras; O Meu Cacete, na Atalaia; e um ou outro escondido pelos bairros. Mas nada se compara aos de antes e até mesmo O Brazão, de Pitipiti, acabou se rendendo e fechou suas portas há cerca de dois anos. Outros, como o Padeirinho, depois Casablanca, virou churrascaria até dias atrás.
Pra não dizerem que estou floreando ou mesmo mentindo, em maio de 1993, o poeta e filósofo Zé Emídio publicou no jornal Tabu uma página inteira sobre os bares presentes e os passados. Também em 1993, eu mesmo elaborei o “Roteiro Turístico-Etílico e Gastronômico de Canavieiras” no caderno Sul da Bahia, do Correio da Bahia, no qual era mostrado um roteiro fora dos roteiros de conhecimento dos turistas.
Se hoje somos pobres nesse segmento, podemos dizer que a opulência era presente em tempos idos, como ressalta o velho amigo Tolé, alertando para as dificuldades da época, em que o motor da energia elétrica era desligado às 22, 23 horas. Ele lembra do esplendoroso Bar e Sorveteria Triunfo, que possuía motor-gerador próprio para gelar a salmoura dos sorvetes e picolés, mas cismava de fechar o bar no mesmo horário em que a energia era desligada. Sem deferência para os clientes.
E existiam bares luxuosos pras bandas do brega, como o Céu Azul, que comercializava bebidas no andar térreo e o amor em forma de sexo no andar de cima. Juntinho, se localizava o Bar Irajá, em que o homem só poderia dançar se estivesse uniformizado com terno completo e as mulheres de longo. O Bar do Batista, no Porto Grande e no Beco do Fuxico (hoje sem bar algum), tinham tantos como o Arrastão e o Beco ainda se dava ao luxo de ter até uma leiteria.
O Bar Misterioso fez muito sucesso. Em frente, do mesmo dono, uma boate abrigava os solteiros e alguns casados puladores de cerca, que embreavam na luz negra ficando irreconhecíveis. Mesmo assim, as restrições às frequentadoras eram feitas com muito esmero pelo porteiro Si Brasil, que não as deixava entrar no Aeroclube, sob o argumento de que as figuras que dançam em Dácio [na boate] não podem entrar no Aeroclube.
Como esquecer do Bar Luso-Brasileiro, do Ranchinho dos Meus Amores – ali na praça da Capelinha –; do Society Bar, depois Nosso Bar, Aerobar, na praça Maçônica; do Araketo – na rua do Gravatá; e de Parmênio, na Birindiba. Esses dois últimos funcionavam como pronto-socorro nos dias em que faltavam energia elétrica a mando de Valdemar Broxinha, por estarem equipados com geladeira a querosene, trocadas posteriormente para gás de cozinha. Não faltava cerveja gelada.
E os donos de bar eram comerciantes abnegados que se estabeleciam onde os clientes estivessem e não mediam esforços para levar os pesados engradados (de madeira) de cerveja, panelas e insumos para os tira-gostos nas canoas até a praia da Costa. Assim foi com Zé Sapinho, cuja cabana pioneira na praia da Atalaia foi apelidada de Sapolândia; a cabana Samburá, de Neném de Argemiro.
Na ilha da Atalaia também prosperaram outros bares, como o Bar Atalaia, mais conhecido pela alcunha de A Visgueira de Mílton, por motivos mais que óbvios e “O Meu Cacete”, de Domingão, um nome sui generis que espantavam os turistas quando eram convidados para dar uma chegada no “Meu Cacete”. Para alívio deles, eram bem recebidos por Domingão e passavam a frequentar o local com assiduidade.
No bairro Birindiba também era parada obrigatória no Coquinho de Quelé, famoso aqui e alhures depois que o coquinho começou a viajar na bagagem dos turistas e se transformou em encomenda a pedido dos nativos que moravam fora e os visitantes que não poderiam vir bebê-lo pessoalmente. Além do coquinho, Quelé também era famosa pela cerveja bem gelada, cachaça em infusão de folhas e tira-gostos.
Na reportagem de Zé Emídio ficaram registrados, ainda, o Bar e Lanchonete Plaza, O Arrastão, famoso por suas batidas, O Petiskos, O Devia’s Vir, O Paladar, onde se comia muito bem, O Terra, O Mangue. Muitos deles fizeram grande sucesso – alguns efêmeros – e muitos não resistiram à mudança dos tempos. Um deles, o Berimbau se transformou em sede da Confraria d’O Berimbau e ainda resiste, se bem que de férias na pandemia.
A bem da verdade, os bares não acabaram, mas perderam o charme dos botequins, o que também perde um pouco da graça. E bota a saideira!
*Radialista, jornalista e advogado