Walmir Rosário*
Quando nós pensamos que já sabemos de tudo aparece uma coisa nova a atazanar o nosso fraco juízo, jogando por terra todo o nosso entendimento sobre a vida, passado, presente e futuro. Reclamamos que não temos emprego e quando aparece dizemos que não é bem o que queríamos. Mais grave é no sistema capitalista as empresas se recusarem a ganhar dinheiro. Pois não duvide.
Em Itabuna, após decreto de papel passado pelo prefeito, as empresas de transporte coletivo municipal fizeram ouvidos de mercador e não colocaram um ônibus sequer para transportar os passageiros de um bairro a outro. Nada, zero, e os trabalhadores tendo que pegar carona, mototáxis, andar de bicicleta ou pé para se deslocar de casa ao trabalho ou vice-versa.
Aqui no meu canto, sem sair de casa, até que comemorei a decisão do governador em fazer circular nesta segunda-feira (10) o transporte coletivo intermunicipal num raio de 100 quilômetros próximos a Salvador. Na minha simples perspectiva considerei um avanço espetacular fazer com que os motoristas e cobradores voltassem a trabalhar e as pessoas pudessem zanzar por aí, como a muito tempo não fazem.
Pelas notícias chegadas da capital e cidades vizinhas, os empresários comemoraram a decisão e colocaram os blocos na rua, melhor dizendo, os ônibus em circulação, servindo o povo, ganhando dinheiro. E olha que muitas das atividades econômicas estão de crista baixa, sem ganhar o suado dinheirinho nesses meses de recolhimento, isolamento social ou quarentena, como queiram.
Comportamento diferente tiveram os colegas empresários de Itabuna que se negam a desfilar seus ônibus nas ruas e avenidas da cidade, levando e trazendo gente que pagam passagens. Pelo que me disseram, sequer chamaram motoristas e cobradores para uma conversa, mesmo reservada, conclamando a volta ao labor diário. Afinal, sempre soube que o trabalho dignifica o homem, além de manter sua despesa.
O que se comenta nas redes sociais é que as empresas cobram um vultoso débito da prefeitura R$ 300 mil de vales-transportes para os servidores públicos circularem no transporte público. Por sua vez, a prefeitura pretende receber mais ainda, R$ 800 mil, de dívidas das empresas com o erário. E o prefeito propõe um acerto de contas, em que receberia sua parte, diminuída da dívida das empresas. Uma compensação.
Mas se a briga acabasse aí seria tudo muito bom para os clientes (melhor dizendo, usuários) voltarem a desfrutar do transporte coletivo. O buraco é mais embaixo e as complicações que se avizinham mais ainda. Da outra parte, motoristas e cobradores se negam a trabalhar de barriga vazia e querem receber os salários e créditos da rescisão contratual, ainda atrasados.
Não quero me meter nessa história – por demais complicada –, que promete dar muito panos pra manga. Numa simples elucubração, se as empresas, que dizem não ter dinheiro sequer para abastecer os ônibus e atender a prefeitura, vão ter que enfrentar os trabalhadores, cujo sindicato não deverá deixar barato a cobrança dos compromissos trabalhistas.
Nessa confusão, os empregados só não se encontram de braços cruzados hoje, por terem sido despedidos e os ônibus recolhidos às garagens. Caso alguma ordem superior ou acerto entre os empresários e a prefeitura tentem rodar a engrenagem, será preciso contratar novos trabalhadores. E aí entrará em cena o sindicato e a esperada paralisação do sistema, que se encontra parado (pode?).
Para o trabalhador, já acostumado aos revezes da vida, a luz no fim do túnel continua sendo uma simples ilusão de ótica, ou um espelho refletindo em direção contrária, uma simples miragem. Os trabalhadores das empresas de ônibus não trabalham e os do comércio, serviços e indústrias não disporão do transporte coletivo para os deslocamentos diários.
Como o transporte coletivo municipal é de competência da prefeitura, a caneta do prefeito já deveria ter entrado em ação, cobrando as medidas necessárias para o cumprimento do contrato. Numa situação inusitada como essa, sanções devem ser previstas, com multas pelo descumprimento do contrato, a intervenção no serviço essencial e, quem sabe, a contratação de novas empresas.
Um agravante para a possível volta dos ônibus às ruas é a circulação de 50% da frota de cada linha, desde que observadas as medidas de segurança e higienização de passageiros e dos veículos. Dentre as medidas de segurança, a obediência ao distanciamento social, o que reduzirá o número de pessoas por viagem, onerando os custos das empresas, que querem receber uma compensação desde o período de paralisação.
Pela primeira vez – num país capitalista – empresas se negam a trabalhar e ganhar dinheiro. Realmente, o Brasil não é para amadores.
*Radialista, jornalista e advogado