Por Walmir Rosário
Se depois do advento e popularização do smartfone os políticos continuam fazendo promessas das mais absurdas, imagine no tempo em que um simples gravador de áudio era uma das peças mais difíceis, por ser um trambolho grande, pesado e sem tecnologia. Nesse tempo, então, se prometia um rio de leite e uma barraca de cuscuz em troca de um simples voto, ao primeiro eleitor que encontrasse.
E essa prática ocorria em todo o Brasil brasileiro, de norte ao sul e do leste a oeste, sem distinção de cor ou ideologia partidária. Para ser mais coerente com o que digo, faziam parte dos discursos em praça pública, em cima dos palanques dos famosos comícios realizados pelas coligações, com a simples finalidade de mostrar intimidade com prefeitos, governadores, e até o presidente da República.
Além dessa prática poderosa, outros políticos, principalmente os da chamada ideologia de esquerda e/ou populista, utilizavam, ainda, outro artifício, principalmente com grupos e classes. Geralmente vendiam a aparente igualdade, apelando para o discurso que teria vindo de baixo, daí a importância de que votassem nele, por ser exímio conhecedor dos problemas sofridos pela grande massa dos trabalhadores.
De início, o apelo era considerado fraco e somente uma meia dúzia se beneficiava dessa situação, já que o apelo ideológico não conseguia encher a barriga de ninguém, muito menos satisfazer outras necessidades básicas da família. Bom mesmo era o político que dava uma ajuda substancial, com um bom corte de brim, um sapato Vulcabrás, um dinheiro para completar as despesas da feira.
Mas com o tempo, os eleitores também foram mudando de hábitos e passaram a se encantar com os discursos feitos sob medida para cada área da cidade e classe social pelos políticos de esquerda. Se não podiam barganhar o voto com as benesses financeiras pessoais, pregavam a igualdade e a disponibilidade de quem também sofreu como ele [o eleitor], e que estaria 24 horas por dia disponível no seu gabinete para recebê-lo.
Um desses casos era lembrado por Raymundo Pacheco Sá Barreto, um exímio contador de histórias e estórias, além de ser aquele amigo que todo o mundo gosta. Profundo conhecedor de Ilhéus, sua política e história, foi nominado por Jorge Amado como o “último coronel do cacau”. Também afeito à lides política, Sá Barreto costumava contar essa hi(e)stória de um então candidato a prefeito de Ilhéus.
No último quartel do século passado, início de campanha à Prefeitura de Ilhéus, em que um dos candidatos caiu em campo na busca de votos pelo então Partido Democrático Brasileiro (PMDB). Para cada área da cidade ou grupo de pessoas tinha um discurso pronto e se apresentava como a solução para todos os problemas de Ilhéus, inclusive aqueles que o prefeito Antônio Olímpio não tinha conseguido resolver.
Nessa empreitada contava com Sá Barreto, conhecedor e bem chegado em todas as “bibocas” e seus ocupantes de Ilhéus. Lá, o candidato a prefeito abria o vozeirão para prometer Ilhéus como o melhor lugar do mundo para se morar, desde que lhe elegessem, é claro. E a campanha crescia a olhos vistos, tanto que o candidato aparecia na liderança em todas as pesquisas eleitorais.
E muita sola de sapato e discurso para todos os gostos eram feitos dia e noite, sempre prometendo a Ilhéus dos sonhos, que somente ele conseguiria transformar, desde que lhe colocassem no Palácio Paranaguá. Era um tal de subir e descer morros, reuniões com associações, almoços nas casas dos coligados, terreiros de candomblé, igrejas e escolas, na sede e nos distritos e povoados.
Num determinado dia, o candidato falava para as professoras, exaltando as qualidades da categoria e dizendo ser testemunha disso, por ter sido sua mãe professora. Noutro dia, um discurso igualzinho foi feito para as lavadeiras, sempre com a mesma defesa, o que preocupou o velho e experiente Sá Barreto, que pretendia levar se candidato em alguns locais, esses não tão bem-afamados.
Para evitar esse dissabor, Sá Barreto chama se candidato no dia seguinte e faz um alerta:
– Meu amigo, pare com esse tipo de discurso, pois amanhã nós vamos fazer campanha nas casas de umas “conhecidas minhas” e não fica bem você expor a pobrezinha de sua mãe num lugar daqueles – disse, com a autoridade de sempre.
Sá Barreto, que sempre jurou que essa história é verdadeira, também não costumava contar qual o teor do discurso que teria sido feito no local aprazado, embora a retórica tenha funcionado e seu candidato eleito.
Foto: José Nazal