Por Walmir Rosário
Um verdadeiro tesouro guardado num baú por anos consecutivos revela uma história surpreendente da economia cacaueira durante quase duas décadas, entre os anos de 1930 e 1940, na Terra Mater do Cacau – Canavieiras. O tesouro, na realidade uma caderneta na qual Arnaldo Pinto Melo anotava entradas e saídas de todo o cacau produzido no município e exportado.
Os mais velhos que ainda moram em Canavieiras conhecem muito bem e devem ter saudades das embarcações que aportavam aqui no rio Pardo para trazer passageiros e mercadorias para o comércio. No retorno à Bahia, como era chamada comumente Salvador, a capital do estado, levavam toneladas de cacau, que aqui chegavam no lombo dos burros das muitas tropas e nas grandes canoas.
Tomei conhecimento da caderneta do senhor Arnaldo Pinto Melo pelo seu filho Antônio Augusto Chaves Melo (Guga), entre uns goles de cachaça e cerveja na Confraria d’O Berimbau, e me interessei pelo assunto. Afinal, muito já disse da história da cacauicultura baiana, cujo berço é Canavieiras, justamente a fazenda Cubículo, às margens do rio Pardo, local onde tudo começou, então, nada melhor do que dar continuidade à história.
Mas quem era e o que fazia Arnaldo Pinto Melo em Canavieiras e qual o seu interesse pela produção e exportação de cacau da Princesinha do Sul, a ponto de deixar tudo registrado para a posteridade? De início, dá pra vislumbrar um homem organizado com suas atividades comerciais, anotando tudo, não só da empresa em que trabalhava, como também das concorrentes.
Arnaldo Pinto Melo era um português que deixou a velha Europa veio fazer o novo “Brasil” junto com outros diversos patrícios. Entre eles, no navio em que viajou estavam Carlos Corrêa Ribeiro e Manoel Joaquim de Carvalho, dois dos que se tornaram grandes empresários e compradores de cacau. Arnaldo veio para Itabuna para abrir a filial de Corrêa Ribeiro, de onde se transferiu para Canavieiras com a mesma missão e por aqui ficou. Muitos anos depois, transferiu-se para trabalhar com Manoel Joaquim de Carvalho, também em Canavieiras.
As navegações
Somente para relembrar, por aqui navegavam comercialmente os Hiates (sic) Itiberê, Monte Pascoal, Canavieiras, São Cristóvão, Itapicuru, Itabuna, 2 de Julho, Empreza (sic), Oceano, Campeão, Suissa, Macahé (sic), Porto Seguro e Belmonte. Os vapores Cannavieiras (sic), Ilheos, Marahu, além das barcaças Santarém, Diva, Camamú (sic), Marinete, Brasil e Itamaracá, e os barcos Conceição, Colibri e Estrela do Dia.
Essas embarcações, dentre outras, transportavam a produção de cacau da região para Salvador e era uma garantia de emprego e renda para os estivadores e outros trabalhadores do porto. Se na área rural o cacau era a principal matriz econômica, o comércio e os serviços representavam a crescente economia canavieirense, já denominada de a Princesinha do Sul.
Se para exportar o cacau eram necessárias as embarcações com calado suportado pela barra do rio Pardo, para fazê-lo chegar à cidade as embarcações eram menores e que requeriam esforço humano maior. Eram as famosas canoas, a exemplo da Baleia, com capacidade de transportar até 280 sacos de cacau, movida quase que 100% pela tração humana, algumas com velas e a ajuda da correnteza rio abaixo.
Àquela época também eram famosas as tropas que traziam cacau e outras mercadorias das redondezas e até de Minas Gerais, por caminhos íngremes e perigosos, haja vista as constantes guerras com os indígenas e quadrilha de malfeitores. Transportavam grandes valores em moeda corrente para pagar as mercadorias que lá compravam, bem como traziam o resultado das vendas das mercadorias pra lá enviadas.
A caderneta de Arnaldo
Na histórica caderneta de Arnaldo Mello as anotações se iniciaram na safra de 1934-35, com as saídas de cacau (exportações), que somavam 130 mil sacos com 60 quilos, compradas pelas diversas empresas aqui instaladas. Rapold, Manz & Cia, 50.582 sacos; Instituto de Cacau da Bahia, 45.850 sacos; Corrêa Ribeiro & Cia, 17.297 sacos; Tude, Irmãos & Cia, 14.234 sacos; e diversos, 2.037 sacos.
Já na safra seguinte, a de 1935-36, a produção alcançou um ligeiro aumento, com a exportação de 136.276 sacos. Ainda nesta safra houve uma troca de posições das empresas. Rapold, Manz e Cia, 50.778 sacos; Instituto de Cacau da Bahia, 33.748 sacos (queda); Tude, Irmãos & Cia, 26.793 arrobas; Corrêa Ribeiro, 23.457 arrobas; e diversas empresas, 1.500 sacos.
Já na safra de 1936-37, aparecem novas empresas compradoras de cacau, a exemplo da Wildberg & Cia – que comprou 45 mil sacas; Samuel Benjamim Assunção – com a participação de 251 sacos; e Companhia Agrícola Cacaueira – com compras de 2.250 sacos. As tradicionais empresas como Corrêa Ribeiro – 25.273 sacos; e Tude, Irmãos & Cia. – 24 mil sacos, e diversos 126 sacos, mantiveram seu mercado.
A safra de 1937-38 a produção voltou a crescer, alcançando 154 mil sacos. A safra seguinte, 1938-39, manteve o período de bonança e a produção bateu o recorde, chegando a 169.163 sacos. Na safra seguinte, 1939-40, um decréscimo na produção de cacau, cuja colheita foi de apenas 150. 667 sacos. Essa queda na produção também foi verificada na safra 1940-41 – 148.395 sacos comprados.
Apesar de não citar os motivos das altas e baixas na produção do cacau, as anotações de Arnaldo Pinto Melo se torna um documento de valor histórico, haja vista que contabiliza todos os embarques de cacau. E as anotações contemplam a data, a quantidade e a embarcação que transporta o produto, além de registrar o empilhamento e o exportador do produto.
Outro registro que merece ser ressaltado são as compras e embarques feitos pela empresa Manoel Joaquim de Carvalho & Cia Ltda., referentes à safra de 1950-51. Na agência de Canavieiras foram comprados 6.326 sacos de cacau, na subagência de Jacarandá, 3450 sacos, na subagência de Mascote, 855 sacos, subagência local, 300 sacos e agência Canavieiras D. Viana, 15 sacos.
Além das grandes firmas exportadoras, a caderneta também evidencia os pequenos compradores e produtores de cacau, a exemplo de Scaldaferri, João Alfredo Castro, Leonídio, Augusto Minervino, Mercedes Lopes Bezerra, Antônio Barreto, Espólio José F. Ferreira, Pedro Borges e Carlos Dias da Costa. Em todas as anotações, a quantidade de cacau e a embarcação que transportou.
Terra Mater do cacau
Em 1746 Antonio Dias Ribeiro, da Bahia, recebeu algumas sementes do grupo Amelonado – Forastero – de um colonizador francês, Luiz Frederico Warneau, do Pará, e introduziu o cultivo na Bahia. O primeiro plantio nesse estado foi feito na fazenda Cubículo, às margens do rio Pardo, em Canavieiras. Aqui, o cacau se adaptou muito bem e o seu cultivo foi implantado em outros municípios.
E Canavieiras fez história com o cultivo do cacaueiro, experimentando uma nova fase áurea em sua economia. Com o passar dos anos, a cultura cacaueira se tornou a principal matriz econômica de Canavieiras, alavancando diversos setores da economia, a exemplo da navegação de cabotagem, o comércio e a mineração de diamantes, tornando-a uma das principais cidades da Bahia.