Maestro Dondonga, uma vida dedicada à música

Por Walmir Rosário*

Donaldson Chachá, ou simplesmente Dondonga, maestro Dondonga, completaria 92 anos em 30 de novembro de 2020, e por certo ganharia festa de aniversário com a participação de músicos das duas filarmônicas canavieirenses. Como antes, Dondonga participaria da festa e ainda faria questão de reger a apresentação das músicas tocadas em sua homenagem, num sinal de lucidez perfeita.

Ainda jovem, Donaldson Chachá deixou Canavieiras em busca de uma vida melhor e se mudou para a vizinha cidade de Ilhéus, onde “sentou praça” na Polícia Militar da Bahia, postriormente transferido para Salvador. Na PM se aposentou (foi pra a reserva) como suboficial (subtenente) e tem muitas boas recordações e prestígio junto aos colegas e comandantes, da corporação.

Em 7 de dezembro de 2017 foi agraciado com um Diploma de Agradecimento, conferido pelo Jubileu de Brilhante da Banda de Música subtenente PM Fernando de Morais, pelos relevantes serviços prestados à banda do 2º Batalhão de Polícia Militar, em Ilhéus. A honraria foi assinada pelo tenente-coronel José Diógenes Câmara Alves, comandante do 2º BEIC, seu grande amigo.

 

PM reconhece serviços prestados

Policial militar foi uma das atividades desenvolvidas por Donaldson Chachá, músico e maestro nas bandas da Polícia Militar por anos e anos, acumulando outras duas profissões – marceneiro e músico – para ajudar no sustento da família. Ele lembra de todos esses trabalhos numa boa, pois eram necessários para criar uma grande família de 24 filhos (10 na constância do casamento) e outros 14 de outros namoros.

Família grande e unida, diga-se de passagem, para demonstrar a grande amizade que tem com todos eles. Em cerca de 40 minutos que eu e Antônio Amorim Tolentino (Tolé) conversávamos com ele, mais de cinco filhos, noras e netos chegaram para cumprimentá-lo, numa demonstração de amor e carinho. E Dondonga diz que nenhum deles o seguiu na música e sim na carreira policial.

Em Salvador, além da Banda da PM, Dondonga se desdobrava para cuidar das finanças e passou a tocar em bandas, orquestras e conjuntos como o Brasilians Boys e orquestra Gilberto Batista, e outras formações musicais, tornando-se conhecido da boemia soteropolitana. O mesmo fez em Canavieiras, tocando no conjunto de Julinho Chachá e outras formações musicais.

Ainda menino se encantou com a música, seguindo a carreira dos seus ancestrais. Entrou para a Philarmonica Lyra do Commercio, onde continua umbilicalmente ligado. Ele conta que seu pai, Martinho, se bandeou para a Filarmônica 2 de Janeiro, de onde saiu sem qualquer despedida. Nem mesmo tempo houve para isso, pois um belo dia, enquanto ensaiava, chegou o pai (Júlio Chachá, também músico) lhe pegou pelo braço e simplesmente lhe disse: “Venha, seu lugar não é aqui, sua casa é a Lyra do Commercio”, para onde se mudou em definitivo.

Ele se familiarizou com instrumentos e pautas, pois toca todos de uma filarmônica, lê e escreve músicas, cria arranjos para os mais diferentes instrumentos, ou o conjunto deles, tudo anotado nas partituras. Para Dondonga, apesar de existir muitos músicos que tocam de ouvido, o que conhece e lê a partitura está mais preparado, pois mesmo sem conhecer ou ter escutado uma música, poderá executá-la.

E para ele, todo esse conhecimento foi iniciado na Sociedade Phylarmonica Lyra do Commercio, criada em 1º de Janeiro de 1894 e que teve o seu avô entre os 18 fundadores. A instituição é uma das mais antigas em atividade, perdendo apenas para a Loja Maçônica União e Caridade e o Município de Canavieiras (Prefeitura), como faz questão de ressaltar.

Reconhecimento à dedicação

Dondonga lembra que nasceu e se criou num ambiente em que se respirava cultura, principalmente na área musical, com duas filarmônicas funcionando regularmente: A Lyra e a Medeia, antes; e a Lyra e a 2 de Janeiro, até hoje. Naquela época era uma disputa acirrada entre elas, que chegavam a ponto de realizar os ensaios fora da cidade, para que não vazassem as novas músicas que apresentariam no final de semana.

Dondonga conta que uma filarmônica enviava um espião para observar os ensaios das outras e como não tinham como pegar uma cópia da partitura ou gravar os ensaios, mandavam um músico “bom de ouvido”, que repassava as músicas em forma de assovios. “Tínhamos muitos atritos e a espionagem funcionava, às vezes com brigas monumentais, o que resultou com o fechamento da Lyra do Comércio por cerca de 20 anos”, diz Dondonga.

Naquela época, a política partidária e os “coronéis” tinham suas opções pelas filarmônicas, o que dividia também a sociedade, de acordo com as ligações partidárias e eleitorais. A Lyra era ligada ao Partido Social Democrático (PSD), enquanto a 2 de Janeiro tinha suas ligações com a União Democrática Nacional (UDN), que era chefiado pelo líder, prefeito e deputado estadual Osmário Batista.

Mesmo com a filarmônica desativada, a Sociedade Phylarmonica Lyra do Commercio, nunca deixou de existir, mesmo nesses cerca de 20 anos em que os instrumentos silenciaram. Alguns poucos sócios contribuintes continuaram pagando suas mensalidades e membros da abnegada diretoria continuaram lutando para restabelecer a filarmônica, como contam Antônio Tolentino (Tolé), considerado o eterno secretário, e Tyrone Perrucho, vice-presidente.

De volta a Canavieiras, já reformado pela PM, foi convidado a participar da reestruturação da Lyra do Commercio, trabalhando com afinco junto com um grupo de associados, na sede provisória, pois tinha perdido sua sede, onde hoje funciona a Câmara Municipal. Nesta época, foi feita a primeira tentativa de recuperação e a Lyra funcionou na sede do Pelotão da PM, autorizado pelo tenente Câmara.

Na segunda tentativa, em 2002, o Governo do Estado da Bahia, por meio da Casa das Filarmônicas, elaborou o Projeto de Recuperação das Bandas Centenárias. Vendo que a Lyra do Commercio não estava contemplada, José Tolentino solicitou ao Secretário Paulo Gaudenzi a inclusão da filarmônica de sua cidade, que foi, enfim, agraciada com um lote de instrumentos.

Com os novos instrumentos e músicos “afiados”, a Lyra do Commercio voltou aos dias de glória, fazendo apresentações em Canavieiras e outras cidades da região, chegando a Salvador. Na capital, durante um festival de filarmônicas, o conceituado maestro Fred Dantas convidou o seu colega Dondonga a reger a Lyra e diversas filarmônicas em conjunto.

Dondonga fez questão de dizer que a música foi tudo em sua vida e que coleciona grandes lembranças de todos esses anos. Dentre os momentos de alegria, ele cita a visita dos familiares e dos alunos de música, grande parte deles servindo as Forças Armadas por esse Brasil afora e que fazem questão de visitá-lo sempre que vêm a Canavieiras. “Esse reconhecimento é tudo na minha vida”, ressalta.

Hoje, já afastado da batuta da Lyra do Commercio, não dispensa uma visita nas tocatas e nas reuniões da Academia de Letras e Artes de Canavieiras (ALAC), onde ocupa a Cadeira 21, cujo patrono é Martinho Araújo Chachá, seu pai. A acertada escolha do Maestro Dondonga para a academia foi um reconhecimento pelo canavieirense que dedicou toda sua vida à música, herdando o DNA da família Chachá.

O marceneiro, o músico e o militar agora são somente boas lembranças na vida de Donaldson Chachá, o conhecido e admirado Dondonga. A vida de festas ficou pra trás e atualmente ele é um dedicado e fervoroso membro da Igreja Maranata, em Canavieiras. Hoje rege a afeição com os familiares e amigos que construiu nesses quase 92 de vida, bem vividos, e que faria tudo de novo se tivesse nova oportunidade.

Uma bela lição de vida!

Na noite de sábado (8 de agosto de 2020) se recolheu à cama e não mais acordou. Morreu enquanto dormia, sem dar trabalho a ninguém, do jeito que queria. Na tarde de domingo foi sepultado em Canavieiras com o acompanhamento de parente, amigos e da Sociedade Phylarmonica Lyra do Commercio. A música de Canavieiras perde um grande professor.

*Radialista. Jornalista e advogado