José Nazal Pacheco Soub
A história do recenseamento no Brasil remonta a um século e meio atrás, com a realização da primeira contagem populacional em 1872, cujo nome recebido foi “Recenseamento da População do Império do Brasil”. Adoraria saber quantas “almas” e quantos “fogos” foram contados na então “Vila dos Ilhéos”, legenda que servia para exemplificar o número de habitantes e domicílios à época.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a criação desse Órgão inaugurou a modernização dos censos, passando a contagem a ter a periodicidade de dez anos, conforme informações contidas na história reportada em seu sítio oficial da rede web. Pessoalmente, reafirmo aqui minha admiração pelo trabalho realizado durante essas quase nove décadas, além de meu respeito e minha confiança, mesmo sabendo que, como humanos que compõem as instituições, todos podemos errar. De forma involuntária, errar é de nossa vulnerabilidade humana, mas erros também podem ocorrer de forma voluntária, envolvendo vários fatores, tanto de caráter individual como coletivo e institucional.
Por que falar em erro? Ora, no próximo dia 1º do mês de agosto deste ano de 2022, iniciaremos um novo Censo, com dois anos de adiamento, um causado pela pandemia da Covid-19 e outro pela ineficiência governamental no âmbito federal, que não garantiu os recursos necessários para a sua realização. Isso impactou diretamente as ações do IBGE, resultando ainda em procrastinação no planejamento de prefeituras e atraso na distribuição das transferências constitucionais da União aos Municípios de maneira correlata às suas abrangências populacionais, empobrecendo as administrações públicas nesse último âmbito.
Nos últimos três censos, nos anos 1991, 2000 e 2010, foram anotados no município de Ilhéus os respectivos números de habitantes: 223.750, 222.127 e 184.236. Tamanha redução faz crescer a expectativa e esperar a “Prova dos Nove”. No decênio subsequente à realização de cada Censo, por força de dispositivo legal, o IBGE publica todos os anos, no mês de agosto, a estimativa populacional de cada município. Assim, segundo consta nas informações fornecidas pelo Instituto, a tabela a seguir indica as estimativas oficiais do município de Ilhéus.
Analisando friamente os dados acima anotados e considerando a amplitude dos resultados dos censos e estimativas populacionais subsequentes, fica a pergunta: Quais são os reais, os verdadeiros? Qual censo foi mais fidedigno?
Será que já tivemos em Ilhéus 254.970 habitantes, como indica a estimativa de 1999? Será que temos 157.639 habitantes, como publicado em 2021? Na minha opinião (que a priori só vale para mim), Ilhéus nunca chegou a 254.970 habitantes, como afirma o IBGE em 1999, muito embora temos muito mais do que 157.639, como oficializado em 2021. Minha opinião se baseia no estudo comparativo entre os setores censitários dos Censos, aliada à leitura das imagens de nosso território hoje disponíveis, precisas e límpidas, disponíveis em diversas fontes.
Para que essas dúvidas pudessem ser dirimidas, especialmente no período do vertiginoso crescimento negativo ocorrido na década passada, o município de Ilhéus deveria ter contestado os números do IBGE, administrativa ou judicialmente, fato que nunca ocorreu por parte dos gestores que governaram de 1989 até hoje. A próxima estimativa deverá ser publicada no mês de agosto vindouro e, se Ilhéus estiver com população abaixo de 156.216 habitantes, mudaremos a faixa de índice do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para menor. Isso implicará menos repasses financeiros da União, podendo afetar significativamente a receita municipal vinda dessa fonte na administração pública de seus recursos.
Para realizar a contagem e, posteriormente disponibilizar os dados, o território brasileiro é dividido em setores censitários, que juntos formam bairros, distritos, municípios, estados e, na sua totalidade, o Estado brasileiro. Em Ilhéus, no Censo de 1991, tivemos 196 setores; em 2000, 237 setores; em 2010, 287 setores. Para este ano de 2022, temos 414 setores.
O crescimento do número de setores a cada década é resultado da divisão de setores grandes ou de onde há um crescimento de domicílios, ocorrendo com maior incidência na zona urbana da cidade. A maioria dos setores permanecem inalterados, principalmente os da zona rural.
Para ilustrar minha assertiva de que os números dos Censos de 1991 e 2000 contêm um número considerável de erros, apresentarei os dados do setor 291360610000009, que integra o distrito de Aritaguá, classificados nos censos como: “Situação 05 – Aglomerado rural isolado – povoado”. A leitura do número do setor corresponde a:
Nos Censos de 1991 e 2000, os setores eram formados a partir do trabalho de campo realizado pelos técnicos do quadro do IBGE, com perímetro descrito de forma narrativa, identificados por limites naturais ou antrópicos, tornando mais difícil o controle e aferição dos dados anotados pelos recenseadores. E esses recenseadores eram remunerados por valor de remuneração base fixada no edital de convocação, acrescido da produtividade alcançada. A partir de 2010, os setores passaram a ter, além do descritivo do perímetro, informações geodésicas mais definidas; ademais, a coleta foi realizada por Dispositivo Móvel de Coleta (DMC), trazendo maior fidelidade das informações colhidas, com melhor eficácia e maior eficiência no controle e fiscalização.
Na tabela a seguir, apresento o caso que considero mais emblemático, dentre os enganos que foram encontrados no estudo comparativo dos censos.
Setor: 291360610000009
Ponto inicial e final: Cerca da “Fazenda Cajueiro” com “Oceano Atlântico”
Descrição do Setor: Cerca da “Fazenda Cajueiro” com “Oceano Atlântico” do ponto inicial segue pela orla até cerca da “Fazenda do Edmilson” segue por esta até cerca da “Fazenda de Chico Quirino” segue por esta até cerca da “Fazenda Cajueiro ” segue por esta até seu ponto inicial.
Na imagem abaixo está o local classificado como “Aglomerado rural isolado – povoado”, que fica localizado no lugar Ponta do Ramo, no distrito de Aritaguá.
Pela imagem e por visita ao local nos dias de hoje, pode ser constatado que não existe nenhum resquício dos 268 domicílios anotados a maior nos censos mais antigos. De forma análoga, outros enganos foram encontrados em outros setores rurais do município.
Ao final da coleta que se iniciará no primeiro dia de agosto vindouro, quando forem divulgados os dados preliminares e posteriormente os definitivos, teremos a “prova dos nove”. Saberemos, então, qual a real população de Ilhéus, de seus distritos e bairros, suas vilas e seus povoados, hoje todos ajustados em lei e em consonância com a base censitária.
Reafirmo minha crença no IBGE e justifico a exposição da minha opinião face à intenção de esclarecer a disparidade dos números, não havendo aqui a intenção de buscar culpa ou responsabilidade, apenas de constatar que houve erro ou engano, inclusive já prescritos pelo tempo.
Finalizo este artigo exortando o governo municipal, na pessoa do prefeito Mário Alexandre e do vice-prefeito Bebeto Galvão, para que todo apoio possa ser dado ao IBGE e seus recenseadores, visando uma coleta que cubra todo o nosso território de maneira fidedigna, pelo bem de Ilhéus e seu povo.
José Nazal é fotógrafo, memorialista e ex-vice-prefeito de Ilhéus (2017-2020); publicou Minha Ilhéus pela Via Litterarum e um apaixonado pela terra onde nasceu.