Por Walmir Rosário*
Dias desses, por ocasião de uma das reuniões de sábado da Confraria d’O Berimbau, falei sobre a dificuldade de bebermos, em Canavieiras, uma boa cachaça de folha, daquela da música “Tarde em Itapuã”, do poeta Vinícius de Moraes, que troquei, de rolha, para “cachaça de folha”. Nunca achamos as folhas boas que queremos ou uma cachaça destilada que se preze pela qualidade.
As duas juntas e engarrafadas que temos notícia não merecem tanta confiança e credibilidade. Nada contra as folhagens (que geralmente se prestam para a mistura), mas o problema reside na qualidade da cachaça, nem sempre muito confiável por essas paragens. E a cachaça de folha tem que ser um “casamento perfeito”: boas folhas, ótima destilada.
Na minha reserva especial de cachaça sempre há espaço para as destiladas – descansadas ou não –, mas sempre de boa procedência. Costumo sentenciar como crime inafiançável misturar uma boa destilada com elementos estranhos, como o limão, que, comprovadamente, tem causado males diversos aos intestinos e estômagos mais delicados.
Mas sempre abri exceção para a mistura com as folhagens diversas, desde que não sejam amargas, a exemplo de “pau-de-rato”, “milome”, “carqueja”, “boldo”, dentre outras. Não coloco o “jiló” no mesmo balaio, pois as histórias sobre essa mistura já causou alguns dissabores na masculinidade de alguns desavisados no bairro da Conceição, em Itabuna, fato comprovado.
Já outras folhagens, do tipo mais amigável ao paladar, são sempre bem-vindas. A começar pela “catuaba”, “angico”, “jatobá”, cravo, canela, “angélica”, “alecrim”, “figo”, “gengibre” e até mesmo tempero pra peixe, uma mistura rica em alho, cebola em cabeça e verde, tomate, hortelã, pimentão e por aí afora. Até mesmo as doces, como as temperadas de parida descem bem.
Em Itabuna, essas preciosidades sempre foram encontradas nas boas casas do ramo, aquelas não economizam dois reais na hora de adquirir uma boa destilada para servir à seleta clientela. Exemplos que merecem ser lembrados são as “farmácias” de Dortas, na esquina do beco do Fuxico com o Calçadão da Ruy Barbosa, de Batutinha, no Médio Beco do Fuxico, e até de Ithiel Xavier, no início do bar no Alto Beco do Fuxico e que serviu de inspiração para a Confraria do mesmo nome.
Ainda no Alto Beco, na esquina da travessa Ithiel Xavier com a rua Duque de Caxias, estava implantada a mercearia de Alcides Rodrigues Roma, ponto de apoio da boemia frequentadora daquelas paragens. Ao lado dos sacos de milho e feijão, um cavalete com carne do sol e jabá (ambas com dois vistosos pelos com gordura no ponto), preferida para o tira-gosto entre uma cachacinha e outra.
Aliás, é bom que se diga que a especialidade da casa, era a “angélica”, considerada pelos consumidores a bebida sublime, a preferida dos clientes. E nada melhor do que uma jabá assada como prato de resistência. E não era preciso nenhum chef em culinária para prepará-la ao gosto dos fregueses.
Bastava apenas envolvê-la num papel pardo de embrulho, ensopar o pacote com bastante álcool 90 graus, colocá-lo no prato da balança e riscar o fósforo. Após o fogo apagado, desembrulhar a carne, bater com a faca na carne para tirar o excesso de sal e cortá-la em pequenas fatias. Pronto, com uma iguaria dessa qualidade não ficava ninguém com fome.
Num desses domingos em que todos se preparavam para ir ao futebol no Itabunão – era dia de Itabuna e Vasco da Gama –, eis que aparece uma visita ilustre na mercearia de Alcides Rodrigues Roma, tendo como anfitrião Paulo Fernando Nunes da Cruz Presidente do Itabuna). O então presidente vascaíno Eurico Miranda, diante da fama da angélica e da jabá, desprezou o almoço do Palace Hotel para experimentar o inusitado prato.
Mas preciso retomar o fio da meada, para não embaralhar a cabeça dos leitores com tantas informações, às vezes desencontradas e que podem levar ao coma alcoólico. Ante ao meu questionamento sobre a falta da cachaça e das folhas, de pronto, um amigo resolveu atender, em parte, minha solicitação, dizendo conhecer um pé de pimenta jamaica inexplorado, mantido por ele longe dos olhares de cachaceiros.
O receio de Antônio Alves (Tonhão, ou Tonhe Elefoa), técnico agrícola aposentado da Ceplac, é que a árvore venha a ser alvo dos consumidores de cachaça com folha e venham a desfolhá-la. Garantiu ele que supriria as minhas necessidades, colhendo algumas folhas, que seriam entregues em data próxima.
Nem bem passou uma semana e ao chegar em casa e vasculhar a caixa de correspondência para conferir a entrega dos Correios, me deparo com o compartimento cheio de folhas. Fiquei pasmo e pensei que seria um novo serviço dos Correios para tapar o rombo nas suas contas, mas abandonei a ideia por achar estapafúrdia.
Em seguida, meu pensamento voltou-se para as crianças vizinhas que brincam na rua tocando as campainhas e se escondendo que teriam feito mais uma travessura. Ao chegar mais perto para retirar as folhas, reconheci o cheiro das folhas de pimenta jamaica e fui me lembrar da promessa feita por Tonhão na Confraria d’O Berimbau.
Olhei para as folhas e as vislumbrei dentro de um litro, misturadas a uma boa destilada – ainda não repousada – trazida do Bar do Jacaré, em Itajuípe, pelo amigo Cláudio da Luz. Um casamento perfeito, digno de saboreá-las ouvindo a música Tarde em Itapuã, tendo o cuidado, sempre, de trocar as palavras “cachaça de rolha” por cachaça de folha. Inigualável.
* Radialista, jornalista e advogado