Os relatos de trajetórias individuais de escritoras, artistas, poetisas, pesquisadoras, jornalistas, professoras e juristas negras se interseccionaram com a projeção e implicação coletivas da discussão sobre o racismo estrutural e as relações de gênero. O debate contemplou a estruturação racista e misógina sobre a qual os espaços do direito, do Sistema de Justiça, da literatura, da academia, são historicamente construídos e consolidados no Brasil e como a luta antirracista, na figura feminina, lidou e tem atuado para combater o esforço de invisibilização, subalternização, regulação e controle do biopoder branco masculino e heteronormativo sobre os corpos das mulheres pretas e pardas. Essa foi a tônica da tarde de debates da quinta edição do ‘Seminário Biopolíticas e Mulheres Negras’, promovido pelo Ministério Público estadual durante todo o dia de hoje, 24, na véspera da data comemorativa à mulher negra latino-americana e caribenha, em 25 de julho.
O segundo turno do evento reuniu mulheres que são referências em sua área de atuação. A presença das negras no Sistema de Justiça foi debatida pela promotora de Justiça Lívia Vaz, defensora pública federal Charlene Borges, defensora pública (DPE-BA) Clarissa Verena Freitas, procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos, pela presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA) Maíra Vida, juíza do Trabalho Manuela Hermes e pela advogada Quézia Barreto, consultora da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji). Sobre a literatura negra pós-colonial, fizeram o debate a escritora e jornalista Eliane Alves Cruz e escritora, poetisa e professora Ryane Leão, com mediação da advogada Ana Gabriela Ferreira.
Já a cientista Jaqueline Goes, responsável por realizar o mapeamento do genoma do novo coronavírus logo que foram registrados os primeiros casos no Brasil, e a professora universitária Nilma Lino Gomes, ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, abordaram as experiências das mulheres negras e as novas epistemologias. O evento foi encerrado com um bate-papo com a cantora Marienne de Castro, que falou sobre o papel da música na luta antirracista feminina, inclusive como regaste da ancestralidade. Houve a participação também dos promotores de Justiça Diva Rocha e Edvaldo Gomes, coordenador do Centro de Direitos Humanos do MP baiano (Caodh), da procuradora de Justiça Jaceguara Dantas, das advogadas Camilla Garcez e Marcelise Azevedo e da defensora pública do Estado da Bahia Mônica Antonieta.
Nas mesas de debates, foi mostrado nas diversas falas como a presença feminina negra ainda é uma minoria. Foram citados estudos realizados nos últimos cinco anos que, apesar dos avanços, inclusive de políticas afirmativas como as cotas raciais nas universidades e nos concursos públicos e maior demanda por livros escritos por mulheres negras, como os ambientes acadêmicos, da literatura e do direito ainda são dominados por homens negros e brancos. Junto à constatação, relatada pela experiência e comprovada por estudos científicos, falas que encorajam e reforçam a luta coletiva. Entre muitas outras: “Os corpos das mulheres negras que se reconhecem negras são corpos insurgentes, porque rompem as relações de poder onde eles se apresentam, com esse biopoder da branquitude que pretende regular e controlar os nossos corpos”, da professora Nilma Gomes. “Foram mulheres que se salvaram pelas palavras para salvar tantas outras”, de Ryane Leão, ao falar sobre suas referências literárias, como Tula Pilar. “Mesmo com as dificuldades estruturais, consegui reconhecimento e conclamo as jovens negras a reivindicar os espaços, principalmente agora com as ações afirmativas. Somos capazes de nos afirmamos como juristas negras e ocuparmos espaços de poder. É possível”, da defensora pública federal Charlene Borges.