Walmir Rosário*
A sabedoria popular é um dos maiores achados da humanidade e substitui à altura qualquer compêndio científico, não importando a autoria, pois explica tudo, tintin por tintin, como dizem os franceses ao brindar um grande acontecimento. Não é à toa que costumam chamar de empata viagem qualquer local frequentado por amigos que dispensam relógios para a orientação do horário de saída.
E esses locais são os botequins da vida, em que se fala de tudo – menos da vida alheia –, desde parto de pulga a conserto de aviões do tipo jumbo em pleno voo, como se fosse coisa corriqueira. E é muito simples explicar – sem a necessária ajuda de psicólogos, psicanalistas, psiquiatras. O caboclo chega estressado, experimenta umas duas cachaças de folha, três cervejas geladas e chega ao feliz estado de descontração.
Digo isso e afirmo por ser testemunha ocular do fato por diversas vezes, sem contar as que eu mesmo fui o sujeito ativo da feliz experiência, chegando em casa em horário adiantado da madrugada. Fora o desconforto das infelizes explicações – nem sempre convincentes – e ter que acordar cedo sem o merecido descanso, acredito que valeu a pena, melhor que qualquer medicamento para ansiedade, ou outro trauma psicológico.
Prometo que um dia contarei as minhas experiências, mas como me veio à memória a de alguns amigos, os privilegiarei para não parecer que sou uma pessoa individualista, que não gosto dos chegados. E essa passagem é por demais verídica e aconteceu ainda no tempo em que O Berimbau era um boteco de avenida principal, perto das vistas de todos, inclusive dos clientes da feira livre, localizada justamente na passagem.
Sem delongas passo a narrar o fato, que pode ser testemunhado por inúmeras pessoas, tudo gente de reputação ilibada, sem culpa formada em cartório, inclusive por um dos sujeitos ativos. De cara, apresento Antônio Amorim Tolentino (Tolé), um dos personagens principais, homem bom, servidor, preocupado com as causas sociais e que não perde um sepultamento por nada deste mundo.
Num belo dia, eis que Tolé estava compromissado com um grande casamento, no qual seria padrinho do noivo e estrearia um terno recém-cortado e costurado, sapatos novos. Se apresentaria nos trinques. Lá pelas tantas resolve ir à feira livre comprar temperos para casa e aproveita para aquela chegadinha em O Berimbau. Seria apenas um dedinho de prosa e uma cervejinha, nada mais.
Mas tudo conspirava contra (ou a favor) do Tolé, que ao pisar no passeio de O Berimbau, encontra o seu futuro afilhado do casamento de logo mais, o Grimaldo, e um convida o outro a dividir uma cerveja para abrir os trabalhos do dia. Cerveja vai, cerveja vem, vislumbram na avenida Rio Branco um cortejo fúnebre, justamente do pai de um amigo de ambos. Não contaram até três e resolveram fazer esse último ato de piedade cristã.
Após o sepultamento, resolvem voltar para casa e se arrumarem para o casório, entretanto ao passarem em frente a O Berimbau, não resistiram ao convite dos amigos e encostam no pé do balcão para a saideira. Contam que estão chegando do sepultamento e que têm compromisso logo mais no casório, portanto não demorarão, será apenas uma cervejinha a mais, coisa rápida.
Nisso, passa outro cortejo com o representante de uma família tradicional e que chega a ser parente de parte de sua família. Não tem nem o que pensar, é só se integrarem aos passantes e participaram de um novo enterro. E no retorno aconteceu tudo igualzinho e os dois voltam ao empata viagem, para chorar o defunto e tecer frases adjetivas enaltecendo as qualidades do de cujus, quando ainda em vida.
Conversa vai, conversa vem, eis que chega um mensageiro à procura do noivo e do padrinho, dando um ultimato para que se apressem na volta às casas para os devidos asseios de costume e vestirem os ternos. Garantiram, de pés juntos, que estariam na saideira de “ir embora” (pode?), não mais que 10 minutinhos e logo seguiriam para o casório.
Pelo que eu soube, foi a primeira vez na história universal dos matrimônios que se registrou uma noiva aflita com o sumiço do noivo, uma inversão de papéis, em que ele deveria estar na igreja nervoso e suando à espera da noiva, geralmente atrasada. Pois a noiva não contou conversa e foi ela mesma, in loco, intimar o noivo e o padrinho dele, teimosos em não deixar por nada o empata viagem.
Vitoriosa, a noiva retornou ao seu lar com os dois debaixo de vara, como se diz no poder judiciário, para que cumprissem o honroso compromisso do sagrado matrimônio, mesmo com certo atraso. Pelo que pude apurar, o argumento utilizado pela noiva teria sido a ameaça de, assim que chegasse em casa, mandaria quebrar todas os litros de whisky e os engradados de cerveja gelados.
Após delicadamente convencidos, noivo e padrinho – completamente bêbados – se aprontam para o casamento, com a missão de continuarem a farra logo após se livrassem das cerimônias religiosa e jurídica. Um dia e tanto para dois incautos que caíram na besteira de passar em frente de um empata viagem em dia de tantos compromissos, a exemplo de dois enterros e um casamento. Dever cumprido, finalmente.
*Radialista, jornalista e advogado