Walmir Rosário*
Nada mais enganador do que um título, um nome de rua, ou mesmo de um beco, que não combine com o enunciado. Segundo o Código de Defesa do Consumidor, isso pode ser classificado como propaganda enganosa ou abusiva e como tal deveria ter respaldo jurídico o indigitado que busca as regalias etílicas e gastronômicas num beco com esse nome.
Se, porventura, não se vislumbre o direito líquido e certo do cliente interessado, que se consagre, pelo menos, a expectativa do direito. E essa relação não se pode ou deve negar ao frequentador desses ambientes bem falados e comentados por toda a sociedade. Mas, querelas à parte, que, pelo menos, se evite a propagação desses nomes estranhos ao produto, no caso em questão, o Beco.
Mas não é um simples beco. É batizado, crismado e registrado como Beco do Fuxico, portanto, deveria estar acompanhado de todos os atributos inerentes ao nome, como as tendas de serviços prestados pelos profissionais liberais que lidam com artes tantas, a exemplo de barbeiros, sapateiros, alfaiates, bem como empresários de menor porte, como os quitandeiros e donos de botequins. É assim o beco do fuxico em Canavieiras. Enganador.
Mas nenhum destes senhores pode ser visto nas vetustas casas desse indigitado beco, localizado em pleno centro da cidade, caminho mais curto de quem busca a “passarela do álcool” tida e havida no sítio histórico, lá pras bandas do cais do porto. Caso o cliente – ou paciente – já venha necessitando recompor os líquidos perdidos numa empreitada qualquer, vai ficar na mão.
Definitivamente, o tal do beco do fuxico (grafado propositadamente com letras minúsculas) não é o menor e melhor caminho entre duas retas. Ao contrário, deve ser considerado um caminho tortuoso, perigoso e estranho a qualquer consumidor das iguarias etílicas. Melhor buscar outras rotas, pois ali não encontrará abrigo algum para satisfazer as necessidades do corpo e da alma.
Mas os senhores não pensem que o Beco do Fuxico de Canavieiras não viveu seus dias de glória! Foi até chamado de Beco do Progresso, tal a quantidade de estabelecimentos em atividade. Era o metro quadrado mais ocupado da cidade, com seus botecos, quitandas, alfaiatarias, sapatarias e outros tantos prestadores de serviço. Organização nunca vista, abrigava as quitandas numa quadra (na antiga sede do Tabu) e os cafés e artífices em outra, da avenida Coronel Luiz Augusto de Carvalho até a rua Marechal Deodoro.
Quem não lembra da quitanda sortida de Damião Barbosa, depois assumida por seu filho Trajano Barbosa? Quitanda é o modo que chamavam uma mercearia com grande sortimento, principalmente de gêneros básicos recém-chegados das roças para abastecer os citadinos. E a alfaiataria do Mestre China, onde se cortavam ternos da elite com o mesmo esmero que o de um simples operário?
Dizem até que os tecidos eram cortados e costurados por música, observando a leitura de uma pauta com todas as notas de uma música, como se fosse a apresentação de uma orquestra ou banda da moda. Uma orquestra superafinada, comandada pelo saxofone do Mestre China. E saxofone era um instrumento que não faltava no Beco do Fuxico, ou Beco do Progresso, como queriam outros, pois lá estava dublê de barbeiro e saxofonista Silvinha.
Além da quitanda de Damião Trajano, também ali estavam estabelecidos os quitandeiros João Gualberto e Norberto, este que dividia seus afazeres com a profissão de sapateiro, e dos bons, cuja maior distração era a briga de galos, à época considerado um esporte. Outro galista famoso no antigo Beco do Fuxico canavieirense era Gungum, do Café São Miguel, que se orgulhava de servir o melhor misto-quente da cidade, feito com salame italiano, queijo do reino e pão de primeira qualidade.
Não era à toa que pra um local como esse convergissem fregueses da melhor qualidade, com o intuito de utilizar dos bons serviços dos quitandeiros, artífices (ou artistas) da superdotados. Há quem diga que as não faltavam as melhores discussões sobre o futebol, patrocinadas por Nondas da Atalaia. Frequentadores não menos famosos, como Fernando Reis, Tyrone Perrucho e Antônio Tolentino não dispensavam uma passada diária para se informarem das últimas notícias da cidade, coisas amenas ainda não consideradas fuxicos.
Exemplo mais vivo e vibrante pode ser visto e vivenciado em Itabuna, no Beco do Fuxico, este grafado com iniciais maiúsculas, como manda as regras da Língua Portuguesa, que em pretéritos dias de glórias era dividido em baixo beco, médio beco (já extinto, etilicamente falando) e alto Beco. Lá, do ABC da Noite aos Artigos Para Beber, passando pela Confraria do Alto Beco do Fuxico, desfilam garbosamente os apreciadores da arte de levantamento de copo.
Mas, voltando aos tempos de hoje, caso buscasse antes uma informação, teria feito uma parada estratégica pelas bandas da rua 13 – que embora as placas nomeie personalidades outras não levadas a sério –, ai, sim teria encontrado o aconchego do tamanho de sua necessidade. Embora seja rua larga e asfaltada, não é o local mais apropriado para a prática das culturas etílicas, não afeita à alta velocidade dos carros, motos e bicicletas e sim ao bate-papo tranquilo e gostoso de uma mesa de bar.
Como para um bom bebedor meia dose não basta, tive que estacionar no passeio da Bomboniere Lua de Mel, sentado a uma confortável cadeira, lata de cerveja na mão, meota de cachaça embaixo dela, longe das vistas de quem não a aprecia e poderia, ainda sair denegrindo a boa imagem da canjebrina ou dos meus bons costumes. E não é por falta de opção. Se por acaso tivesse eu a verve de um Castro Alves diria que bares são semeados à mão cheia, mesmo sem ser um bendito.
Inconformado com tal situação, já propus aos conhecedores da arte de aturar pileques que se debruçassem – não sobre a mesa – ao estudo da possibilidade de abrir desses estabelecimentos que comercializam bebidas e petiscos em artéria de nome tão cativante. E, pelos meus cálculos, não seria um negócio ruim, pois seria bem fácil arregimentar uma carteira de bons clientes.
Um deles, o José Cloves, está revendo os manuais de administração e já começa a elaborar um plano de negócio para dar cabo a hercúlea empreitada. Agora que busca a reconhecida gratidão após anos de trabalho, nada mal para um ilustre aposentado se livrar da inatividade. Até porque tem prática do serviço e pode se dar ao luxo ao rechaçar a negativa de um cliente em aceitar uma cerveja servida em sua mesa sem que ele tenha pedido, retrucando em alto e bom som.
– Não quer não, pois então a Casa aceita! – E enche o copo até passar a régua.
Confesso que se tal empreendimento venha a ser concretizado faremos uma festança de inauguração com direito a uma reunião de trabalho da Academia de Letras, Artes, Música, Birita, Inutilidades, Quimeras, Utopias e Etc. (Alambique). O presidente Daniel Thame só aguarda a data.
Antes que minha cansada memória não traia, confesso que fiquei chateado com o amigo José Cloves, que não aceitou a proposta de se instalar no Beco do Fuxico (ou do Progresso), com um boteco de dar inveja aos mais antigos. Foi se estabelecer em outro beco, este pomposamente chamado de rua Dr. João Sá Rodrigues, entre a rua 13 e avenida Ilhéus, no ofício de advogado, que nada tem a ver com nossa proposta.
*Radialista, jornalista e advogado