Estudante é o primeiro homem trans preto a ser beneficiado pela Fundação e abre espaço para inclusão de pessoas transgêneras no meio acadêmico
“Ser o primeiro baiano, trans, preto, pesquisador da Fapesb, é revolucionário, mas ao mesmo tempo triste”. É dessa forma que o estudante de licenciatura em artes, Jean Isaac, define a experiência de ser o primeiro homem trans bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia, ressaltando que as pessoas transgêneras no país não possuem o mesmo acesso à educação que o restante da população. Jean se tornou o primeiro bolsista devido ao seu trabalho de extensão, realizado na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), intitulado Gota Trava, que consiste no estudo da iluminação e design de som para a cena, a partir das desobediências de gênero.
De acordo com a professora da UFSB e orientadora do projeto, Dodi Tavares Borges Leal, a iluminação cênica tem muito a ganhar com o olhar de um músico como Jean, sobretudo no sentido de compreender quais as formas visuais das desobediências de gênero poderiam ser desconstruídas a partir das provocações sonoras trans e pretas que Jean tem produzido. “É fundamental que a primeira pessoa trans a receber uma bolsa de pesquisa na Fapesb seja uma pessoa trans e negra. Ao mesmo tempo que é triste devido ao reconhecimento tardio, também é motivo de orgulho, pois não foi fácil chegar até aqui, visto que as condições passadas e atuais não são nem um pouco favoráveis para que pessoas trans possam ter uma vida acadêmica com dignidade”, disse.
A professora, que é a primeira e única docente trans efetiva da UFSB, além de ser a única na área de artes no ensino superior público federal do país, conta de onde surgiu a inspiração para o projeto. “A ideia para a pesquisa veio após os desdobramentos de outro trabalho publicado por mim, anteriormente, intitulado ‘Luzvesti: iluminação cênica, corpomídia e desobediências de gênero’. Já havíamos iniciado o trabalho em um projeto anterior, de extensão, no qual Jean atuou como designer de som da esquete de teatra Gota Trava. Este projeto de iniciação científica dá continuidade ao de extensão”. Dodi também é a primeira professora trans a orientar pesquisa pela Fapesb.
Já o estudante Jean Isaac reafirma a necessidade de a comunidade acadêmica estar mais aberta para dar acesso a pessoas transgêneras. “Ainda estamos conquistando espaços a passos lentos, mas depois que uma porta se abre, nenhuma outra vai fechar. Chegou o momento de poder compartilhar nossos conhecimentos uns com as outras”, destacou.
A concessão de bolsa para Jean fez com que o SEI-Bahia tomasse providências para adaptar o sistema para garantir que, futuramente, pessoas trans tenham o direito de uso do nome social em todas as instâncias públicas do território nacional, conforme Decreto Federal 8.727, de 2016, assinado pela então presidenta Dilma Rousseff. O sistema estadual não estava adaptado, o que fez com Jean precisasse assinar o termo de outorga da bolsa com seu nome civil. Tal situação obrigou o órgão a mudar o sistema, garantindo a aplicação da norma. A professora Dodi ressalta que esse é um direito adquirido, mas, infelizmente, pouco conhecido pelas instituições públicas.
Jean conta que sempre teve interesse por som e luz e que o distanciamento imposto pela Covid-19 tem sido um desafio. “Agora na pandemia paramos um pouco os ensaios de Gota Trava. Estamos avaliando as possibilidades de criação a partir dos meios digitais. De toda forma, estamos dando um tempo para entender o cenário do país”, completou.