Por Walmir Rosário*
Na primeira metade da década de 1980 resolvi voltar a alisar os bancos escolares. Desta vez na Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (Fespi), já no campus da rodovia BR-415, no trecho Ilhéus-Itabuna. Ao me candidatar ao rígido e bastante disputado vestibular, minha escolha recaiu para os cursos de direito (primeira opção) e filosofia (segunda opção).
Aprovado em Direito, passei a conviver mais amiúde com grandes professores, quase todos profissionais de décadas de experiência em cada uma das suas áreas, embora muitos deles não ostentassem os pomposos títulos de especialistas, mestre e doutores. Pouco importava, a sabedoria acumulada ao longo de décadas os credenciava a formar gerações de intelectuais, como eles eram.
Como diz o pessoal do agronegócio, os problemas dessas empresas se dividem em fora e dentro da porteira. Essa assertiva cabe perfeitamente na vida conturbada daquela instituição de ensino. Por ser uma entidade de natureza privada – embora contasse com recursos da Ceplac (federal), Estado da Bahia, algumas prefeituras e empresas particulares (bolsas), as combalidas finanças sempre complicavam o interno: as aulas.
A cada vez que a situação financeira se apresentava incapaz de solver os compromissos, uma greve se avizinhava. Algumas dessas paralisações permaneceram praticamente o ano inteiro, inviabilizando aulas e formaturas. O caos! Fora disso, não se entendiam os dirigentes da Fespi e os da Fundação Universidade Santa Cruz (Fusc), que brigavam até pela primazia de assinar simples documentos.
Depois de muita luta, finalmente, em 5 de dezembro de 1991, por gestões do então governador do Estado da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, a Fespi, escola particular, foi incorporada ao quadro das escolas públicas de 3º grau da Bahia, pela Lei 6.344 de 06/12/91. De lá pra cá, a já então Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) cresceu e se desenvolveu, rivalizando-se com as melhores da Bahia, quem sabe do Brasil.
Antes disso, era muito comum chegarmos para assistir aulas e voltarmos de cabeça vazia pela simples falta ou defeito da rede de energia elétrica, ou outros pequenos fatos que não merecem tanta atenção. Se faltava um professor, sempre teríamos outros para substituí-lo, mesmo nas diferentes disciplinas, sem a quebra de qualidade em relação ao professor da matéria.
E assim levávamos o curso estudando com professores abnegados, grandes intelectuais, mestres por excelência. Com a melhoria nos salários dos professores, pagamentos em dia do quadro de pessoal e recursos para o custeio e investimento, fora das salas de aula a vida fluía. Agora, a formação dos alunos da Uesc dependia – exclusivamente – de cada aluno e sua disposição de estudo e inteligência.
Se no atacado tudo acontecia dentro normalidade, no varejo sempre transcorria alguma coisa fora do padrão, o que não é novidade nenhuma desde que o mundo é mundo e do jeito que conhecemos. Recordo-me de que numa determinada disciplina, notei algo estranho no dia da primeira prova agendada. A sala estava repleta de alunos, muitos dos quais não conviviam conosco no período normal de aulas.
Enquanto o professor (brilhante, por sinal) fazia a chamada, íamos, então, conhecendo nossos novos colegas. Ao final, o mestre mirava os alunos de norte a sul, leste a oeste, se empertigava e declamava a seguinte frase:
– Quem são os anistiados? Vocês façam o favor de virem aqui na frente e darem seus nomes, pois já estão aprovados –.
Em seguida, o velho mestre se voltava para a classe e fazia uma nova proposta para alguns alunos:
– É hora do “queima”! Quem precisa da nota cinco? Seis? Sete? Oito? Nove? –.
Determinados alunos que precisavam desta nota para ser aprovado sem não precisar fazer a prova iam se encaminhando para a mesa do professor, declinavam seus nomes e as notas eram colocadas na caderneta. Por último, ele se voltava para os alunos que resistiram às suas propostas e dizia:
– Vocês são realmente corajosos. Para os que vão fazer a primeira prova comigo, vou explicar o meu modus operandi. Não admito que “pesquem” na prova; comigo o aluno não perde três vezes, portanto é anistiado, pois se não aprendeu dois anos seguidos, não será na terceira que vai aprender; e o “queima” é para os alunos que não estudaram para esta prova. Sou um professor justo, não atrapalho a vida de ninguém! –.
E voltava a justificar a sua benevolência:
– Para os que estudam a minha disciplina tenho como incentivo uma benesse na nota. Caso ele faça uma prova boa, ganha um 10 “macho”; no entanto, se fizer uma prova excelente, faz jus a uma nota 10 “fêmea”, que produzirá um ponto para a próxima prova, o que é um grande incentivo –.
Muito desses anistiados hoje são excelentes profissionais do direito, só não posso garantir se atuam na área da disciplina em questão.
*Radialista, jornalista e advogado