Por Walmir Rosário*
Em plena segunda-feira, 7 de Setembro, passei o dia inteirinho que Deus me deu sem sair de casa. Não por falta de vontade de dar uns bordejos pela rua, como costumava fazer até o ano passado, mas devido as incertezas se realmente seria um daqueles feriados de mentirinha, preferi continuar no recôndito do meu lar e, de certa forma, contribuir com os pedidos de fique em casa, feitos pelas nossas autoridades.
Confesso que preferiria ir as ruas para comemorar os 198 anos do início da luta pela sonhada independência do Brasil do jugo da Corte Portuguesa, acenar com uma bandeirinha verde amarela e festejar o garboso desfile da juventude. Mas pesou bastante na minha decisão de ficar recluso não festejar o 7 de Setembro – com S maiúsculo – por um único motivo: não festejei, como faço anualmente, o último 2 de Julho.
Não que eu queira desmerecer a data oficial do 7 de Setembro, comemorada em todo o Brasil e onde mais existam brasileiros. De maneira alguma, pois me considero um patriota de quatro costados. Minha decisão se baseou em não quebrar o rito, a liturgia das celebrações das duas festas, em que em uma data comemoro o ato oficial e em outra a expulsão dos portugueses da Bahia, consequentemente do Brasil.
Os mais afoitos dirão que estou redondamente enganado, pois deveria obedecer a ordem cronológica: primeiro o 7 de Setembro – o de 1922 – e, posteriormente o 2 de Julho – este de 1823 –, quando expulsamos o general Madeira de Melo de nosso torrão natal. Asseguro que essa sequência não tem a menor importância, haja vista que a chamada Independência da Bahia só foi transformada em feriado na Constituição Baiana de 1989.
E de minhas convicções não arredarei um milímetro, nem mesmo com essas narrativas que aparecem em rádios, televisões, jornais, revistas e livros, dando conta que não foi bem assim que nos livramos da submissão dos portugueses. É um assunto palpitante para ser passado a limpo, mas tenho receio de questionar com meu amigo portuga Felisberto Figueredo, ardoroso fã da pintura de Pedro Américo, em que Dom Pedro I, espada em riste e em cima de um garboso cavalo, grita: “Independência ou Morte!”.
Não gostaria de entrar nessa seara, pois vai que o portuga pense que estarei eu carregado de más intenções em desconstruir Pedro I e afirmar que teria sido a Princesa Leopoldina, uma austríaca, quem assinou o decreto de Independência do Brasil. Receio que essa discussão poderá descambar para a intimidade real e eu tenha que me explicar na justiça se nas brigas do casal eu teria presenciado algum maltrato.
Mesmo sabedor que naquela época ainda não tinha sido promulgada a lei Maria da Penha, no mínimo eu poderia ser denunciado por calúnia, injúria e difamação contra a memória do casal imperial. Com os poderes supremos conferidos por nós às plataformas de redes sociais, poderia ter minha vida vasculhada no WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter em busca de provas contra minha pessoa.
Não se preocupe se essas mal traçadas linhas atiram pra todos os lados como se fosse uma reles imitação do “Samba do Crioulo Doido”, composição do saudoso jornalista Sérgio Porto, mais conhecido nas rodas das malandragens com Stanislaw Ponte Preta. Além de não ser afeito ao copia e cola da rede mundial de computadores, garanto que me encontro com as faculdades mentais em perfeito estado.
Lembro-me bem que sempre fui um bom aluno em História do Brasil e do mundo e respondia de cor e salteado a qualquer sabatina feita pela professora nos meus tempos de cursos primário e ginasial. E pelo que aprendi, teria sido Dom Pedro I quem deu o “Grito do Ipiranga”, tanto assim que anos depois emprestou esse nome para um clube de futebol de Salvador, que por falta de tecido verde e amarelo comprou o uniforme ouro negro.
Mas nada disso tem importância agora e sim os fatos, tais e quais como realmente aconteceram, para não repassar fake news às futuras gerações. Dias passados, lendo uma revista nem tão conhecida, vi a imagem do Grito do Ipiranga – o do museu em São Paulo – modificada, e ao contrário daquele cavalo castanho-escuro, aparecia uma mula, sem qualquer aspecto real.
Minhas dúvidas aumentaram após tomar conhecimento de uns quatro livros destinados a uma releitura da Família Real Portuguesa e Brasileira, contando coisas do arco-da-velha, como dizem. Pelo que li numa consulta na internet, as intrigas palacianas existiam desde aquela época, e os amigos do rei, volta e meia, agiam de acordo com seus interesses, a depender as bondades e sinecuras.
Alguns escritos escondidos – bem guardados, melhor dizendo – hoje nos dão conta que a história é muito diferente da contada nos livros de então, apresentada de comum acordo com os press releases da época. Acredito até que o ditado “mais vale um amigo na praça do que dinheiro na caixa” tenha sido criado naquela época para facilitar a negociação entre os plebeus e os de sangue real.
Apesar de todas essas confusões, espero comemorar as duas datas no próximo ano, e sem pandemia, isso se Deus me der juízo.
*Radialista, jornalista e advogado