Por Walmir Rosário*
Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Essa pequena passagem da Bíblia (Mateus 22:14) mostra claramente a forma da escolha da seleta lista de homenageados com o Troféu Galeota de Ouro. Ao contrário do que se pensava – e ainda pensam alguns desavisados –, que os distinguidos com a honraria pelos feitos etílicos se dava pela contumácia ou o reles ato de beber e se embriagar diariamente, sem pompas ostentação ou esplendor de dar inveja aos mais acatados abstêmios.
A escolha precedia de um amplo ritual litúrgico, com a finalidade de comprovar e mensurar o trabalho realizado pacientemente pelos olheiros da “Comissão de Observação da Confraria d’O Berimbau”. A cada ação desastrada cometida pelo indigitado “cachacista” chegada ao conhecimento e ao domínio público, o candidato recebia uma simples advertência, um cartão amarelo e, a depender do escandalizante ato, um cartão vermelho. Dois cartões vermelhos, então se tornava um candidato difícil de ser batido.
Mas como não há nada tão ruim que não possa piorar, a brilhante e implacável Lei de Murphy descia sobre as “cabeças coroadas” como se fossem a verdadeira “espada de Dâmocles”. Mas, pela seriedade e responsabilidade que caracterizava a isenção da escolha dos ganhadores do troféu, a decisão tinha que ser colegiada, após a análise de pesos e medidas estabelecidos.
Tal e qual praticavam as instituições medievais, os membros da Confraria do Berimbau – vestidos a caráter – se reuniam numa salinha escura nos fundos do jornal Tabu, iluminada apenas por uma lamparina a vela, conferindo a escrita de cada verso do cartão, analisando o grau de gravidade. Dois cartões amarelos equivaliam a um vermelho…dois vermelhos então…Mas tinham aqueles que bastava uma falta gravíssima, como a de perder o endereço de casa, trocando a estrada do mar para a da montanha…era bingo.
Algumas faltas chegavam a ser consideradas impublicáveis, como as cometidas na própria residência e que chegavam ao domínio público após alguma indiscrição de um vizinho ou parente mais chegado. Alguns outros, pela teimosia dos acometimentos, tiveram que ser considerados “hors concours” pela falta de concorrentes à altura das faltas cometidas e anotadas pelos olheiros do Posto de Observação.
Esse Posto de Observação ganhou até placa e estandarte – no estilo do tradicional Exército da Salvação – e aterrorizava os bebedores desbragados em qualquer festa de largo, de rua. A Lavagem da Escadaria da Igreja Matriz de São Boaventura atemorizava os participantes, que nutriam verdadeiro pavor aos confrades, sempre em movimento nos quatro cantos da praça da Igreja.
Embora o número de beberrões fosse um dos maiores de Canavieiras, pelas estatísticas anunciadas nenhum dos ganhadores foi escolhido por ter aprontado na festa, não se sabe se por respeito ao Santo Padroeiro ou dos confrades observadores. Muitos dos vencedores praticaram o ato insano digno de cartões vermelhos no recôndito do lar, à boca da madrugada, ainda zonzos do consumo de pouco antes.
E não foram poucos denunciados pela incontinência urinária na geladeira, local apropriado para gelar cerveja, transformar água em gelo para o whisky nosso do dia a dia e até mesmo a água para arrefecer a ressaca. E esses cartões vermelhos eram aplicados logo após ser o indigitado ser denunciado pela própria “patroa”, cansada desse comportamento inadequado para um pai de família que se preza.
Um patrocinador máster do Troféu Galeota de Ouro, conhecido pela sua prodigalidade, sequer presenciou essas homenagens, divido ao receio de ser o homenageado central da festa. Somente aparecia quando sabedor da finalização da entrega dos troféus e mesmo assim chegava todo desconfiado pelas “culpas no cartório”, mas sempre saía incólume, pois a homenagem era presencial.
Se existiam os medrosos, os afoitos chegavam cedo à espera de ter seu nome chamado ao palanque para receber as honras pelas práticas etílicas mal-ajambradas dignas de anotadas nos cartões amarelos e vermelhos. Estes deixavam o evento tristes e cabisbaixos por terem sido desprezados pelos confrades; outros, quando menos esperavam, lá estavam ostentando o troféu, tal e qual Bellini ao levantar a taça Jules Rimet em 1958.
E assim eram escolhidos os distintos honrados com o Troféu Galeota de Ouro, sem privilégios, tráfico de influência ou compra de galões e patentes. E por muitos anos a Confraria d’O Berimbau concedeu as honrarias com distinção e louvor aos bebedores que se notabilizaram pelos seus feitos nem tão brilhantes. A premiação sempre foi igual ao que preceitua o conceituado Jogo de Bicho: vale o escrito.
*Radialista, jornalista e advogado