Por Walmir Rosário*
Batutinha, ou Batuta, era um artesão e músico saxofonista que resolveu ser proprietário de bar. Se estabeleceu na parte do meio do Beco do Fuxico, em Itabuna, com um boteco de respeito. Cerveja bem gelada, cachaça pura e com folhas, além de bebidas quentes das mais variadas, chegando ao whisky, e tira-gostos variados, desde os feitos na hora até as latas de conservas – salsichas, mortadelas, quitutes, acompanhadas de gotas de limão.
Não tenho a menor ideia de onde e como ganhou o apelido de Batuta ou Batutinha, só sei que eram com esses dois nomes em que era conhecido também tratava os clientes, amigos e desconhecidos. Batuta tinha sua clientela cativa, formada, em grande maioria, por comerciários, artesãos e servidores públicos, que batiam o ponto todos os santos dias, rigorosamente.
Entre as especialidades da casa, a cachaça com folha de figo, bem verdinha e com um estoque estratégico, capaz de não deixar o cliente na mão, mesmo nos dias de maior movimento. Também nunca faltaram as famosas jamaica, angélica, milome, catinga de porco, a preferida do oficial cartorário José Ribeiro, que não a dispensava pelo menos duas vezes por dia.
Não menos conceituados eram os tira-gostos acondicionados em frasqueiras de vidro em cima do balcão, à mostra para despertar a fome no distinto cliente enquanto molhava a goela. Quem haveria de resistir? Jamais! As batatinhas e as cebolas eram as preferidas, servidas em pratos pequenos, a depender da quantidade de pessoas. Assim que o cliente experimentava, ele perguntava: “Está no ponto, Batutinha?”.
Bons tempos aqueles em que o engenheiro Dagoberto Brandão (Dagô) era afeito aos botequins… Por incrível que pareça, o seu escritório era ali ao lado, bastando descer uma dúzia de degraus para apreciar a química do Batuta. E não chegava sozinho. Sempre acompanhado do desenhista, economista e advogado Pedro Carlos Nunes de Almeida (Pepê), não tinham hora para encerrar o expediente etílico.
Pepê, por sinal, tinha moral elevada com o amigo Batutinha. É que, cansado com a quebra da descarga no sanitário do bar, uma tarde se encheu de razão e comprou uma igualzinha e ainda levou o mestre de obras de Dagô para trocá-la. A partir daí, Pepê, além de mesa cativa, assim que chegava, era logo servido com um cálice de figo e um pratinho com cebolas e batatinhas.
Extremamente cuidadoso com sua clientela, utilizava de seus conhecimentos químicos na busca de uma bebida que não a afastasse do seu negócio por qualquer simples doença. Com a experiência, inventou e quase patenteou a “punhetinha” manipulada na hora. Entre os componentes, uma boa dose de conhaque de alcatrão de São João da Barra, gotas de limão, uma colher de mel, raspas de noz-moscada e um ingrediente secreto. Era tiro e queda.
No final da tarde também se reuniam os advogados Renan Sílvio Santos e Gabriel Nunes, Jacozinho e Osmar – depois de bater o ponto em Dortas – João Carlos Fontes, e dentre outros tantos frequentadores do Beco do Fuxico, entre os quais me incluo. Ao mesmo tempo em que servia uma mesa aproveitava para passar o pano nas demais, tivessem ou não ocupadas. Era um ato repetitivo, costume adquirido ao longo dos anos.
Além do serviço de bar, Batuta também servia sucos, refrigerantes, pastéis, quibes e sanduíches, servidos como lanches durante todo o dia aos trabalhadores das redondezas. Assim teria um aproveitamento melhor da clientela, muitas das quais, se abasteciam mais cedo para estar pronto no horário da abertura dos trabalhos etílicos. E assim Batutinha juntava o útil ao agradável.
Gentil, educado, prestativo, Batutinha tratava a todos com distinção, até que cuspissem no chão, falassem palavrões, derramassem cachaça sob o pretexto de oferecer uma ao santo, ou mexessem com seus curiós cantadores. Aí se transformava e sem delongas ordenava bastante ríspido:
– Aqui não, Batutinha, aqui é lugar de respeito, ambiente familiar. Por favor, pode se retirar.
Após solucionar o problema, Batutinha se recompunha como se nada tivesse acontecido. A depender das presenças, lá pras tantas tirava o saxofone da maleta tocava uns três ou quatro sucessos de antigamente ou do momento. Uma das presenças quase constantes era o jornalista ceplaqueano Tyrone Perrucho, que casava o tempo para bebericar umas cervejas e ouvir as apresentações de Batutinha, relembrando os seus tempos de saxofonista.
Mas quem era o artesão Batutinha: Na certidão de nascimento, Manoel Bonfim Santos, oficial barbeiro e proprietário do famoso Salão 2 Julho, bem ao lado do bar. Após muito tempo na profissão, resolveu fechar o salão e se dedicar à comercialização de bebidas e comidas. Com o tempo, resolveu se aposentar, deixando o atendimento dos boêmios à geração mais nova. Só não aposentou seu saxofone.
*Radialista, jornalista e advogado