Por Walmir Rosário
Nestes tempos em que impera um modernismo escancarado é adjetivo por tudo que é lado. Tenho a leve impressão que é coisa de marqueteiro, profissional que detesta o substantivo e muitas vezes exagera no adjetivo. Não gosto nem de pensar nisso, pois minha memória é remetida às aulas de português, mais exatamente de análise, quando tínhamos que verificar a morfologia, a sintaxe e a semântica.
Nem sempre um adjetivo desses combina o com substantivo, mesmo que a tal da semântica tente explicar. E esclareço onde quero chegar, antes que pensem que estou a tentar ministrar aulas. É que fiquei indignado com as mudanças que querem fazer no apelido de Itabuna, a “Capital do Cacau”, para a “Veneza Brasileira”. De já, numa roda de amigos no Bar de Leto, no bairro Conceição, lavrei, de pronto, meu protesto.
E não creiam que a minha reação foi um simples ato impensado, entre uma rodada de cachaça e cerveja, alternada com tira-gostos de frango assado na televisão de cachorro e carne do sol frita. Muito pelo contrário, meu raciocínio me remeteu a fatos históricos que mudariam completamente nossa vida pretérita, presente e futura, começando por perder os gentílicos itabunense e grapiúna para nos tornar simples veneziano, venuzino.
Se essa desastrada discussão fosse realizada lá pras bandas de Ilhéus, Canavieiras, ou Belmonte – onde a água do mar está invadindo a cidade – vá lá, mas em Itabuna cujas ilhas conhecidas são apenas a do Jegue, no centro da cidade e a do Quiricós, no limite com Ilhéus. São ilhas pequenas, a primeira conhecida apenas pelo teimoso jumento que resistiu às águas de uma grande enchente.
Já a segunda – Quiricós –, foi alvo de grandes discussões entre os anos 2010 e 2012, pelos prefeitos dos dois municípios, Newton Lima, de Ilhéus, e Capitão Azevedo, de Itabuna. O cerne da questão foi a implantação de dois grandes empreendimentos comerciais – Atacadão e Makro – próximos aos limites territoriais. Após muitas medições, se constatou que eles se encontravam no município de Ilhéus e que a ilha era dos dois.
Fora esse incidente, que deu palanque para deputados estaduais e candidatos a prefeitos e vereadores, Itabuna nada tem a ver com ilhas, já que o rio Cachoeira não produziu além das duas e o canal do Lava-pés hoje é um simples canal de esgotamento pluvial e sanitário. Qual então a aparência entre Veneza e Itabuna, para que tão de repente se mude de armas e bagagens para essa cidade italiana? Nenhuma.
Ainda fiz ver aos meus amigos, que essa discussão, além de inócua, ainda poderia dar panos pra mangas, haja vista que esse título, aqui no Brasil, é ostentado por Recife, a capital pernambucana, há muitos anos. Pensei até que os defensores dessa mudança queriam confirmar a profecia do Frei de Ludovico de Livorno (ex-capelão do exército de Napoleão), que garantia a catastrófica mudança do porto de Ilhéus para o bairro de Ferradas, em Itabuna, devido aos muitos pecados cometidos pelos desbravadores.
Mas nem mesmo esse fato histórico eles botaram na conta da mudança e pela pretensa e pífia tese apresentada o motivo seria uma combinação entre os últimos prefeitos para deixar a cidade alagada à primeira chuva que se abatesse. Ora, me senti indignado com a pequenez do pretenso debate, sem atos e fatos históricos onde se apegar para uma mudança de relevância, pra mim totalmente descabida.
E ainda tentaram argumentar que eu não mais conhecida Itabuna devido ao tempo que moro em Canavieiras, apresentando fotos em que as avenidas do Cinquentenário – a principal da cidade –, e a Amélia Amado – por onde passa o canal do Lava-pés –, são completamente navegáveis. É que durante as chuvas, alguns gaiatos desfilam nessas avenidas de caiaques, surfam em grandes pranchas e até em jet sky.
Ainda me mostraram outra foto com um desses enormes transatlânticos – cidades flutuantes – em plena avenida, mas considerei uma montagem de péssima qualidade, no que concordaram. Depois dessa discussão, ao que parece, ficou descartado pedido para que um dos novos vereadores apresentasse projeto na Câmara Municipal tirando de Itabuna a qualidade de capital do cacau para nos transformar em venezianos brasileiros.
Ainda correríamos o risco de sermos questionados no STF por tentar afanar título alheio, logo dos nossos irmãos pernambucanos, comunidade bem representativa na cidade. A única coisa que assemelha o itabunense ao veneziano é o tino comercial, pois lá não se planta, não se produz por falta de solo, igual aqui na pequena extensão de terra do município de Itabuna, que ganha sua vida comercializando, como eles fazem há séculos.
E eu entrei nessa discussão sem mais nem menos, pois o que eu apenas queria ao chegar com meu amigo José Augusto Ferreira ao bar era encontrar os grandes craques do passado Bel (Abelardo Moreira) e João Xavier (também cartola), para recolher informações e fotos e completar um livro sobre o futebol de Itabuna e Ilhéus. Ainda bem que pacificamos os ânimos exaltados. Só não sei como se comportarão na próxima chuva…