Por Walmir Rosário
Parece que os historiadores têm memória curta! Impossível não se lembrarem de que rodízio de serviços prestados pelo governo e seus concessionários são coisa deste mundo moderno. Aí que vocês se enganam. Basta botar a mão na cabeça e puxar pela memória que vão se dar conta que não é São Paulo a pioneira no sistema de rodízio, nem mesmo a circulação de veículos, inaugurado anos atrás, nem o de água, cantado e declamado em verso e prosa até os dias de hoje.
Já deveria estar inscrita no Guines Book, o livro de recordes, caso algum canavieirense de memória e boa vontade assim quisesse. Bastaria um simples telefonema, um simplório e-mail para os gringos conferirem o feito e desbancar São Paulo. Pois fiquem sabendo quem interessar possa que esse feito ainda vai ser motivo de orgulho, com livros de teses escritos para comprovar essa orgulhosa marca. Para que se restabeleça a verdade, São Paulo pode, no máximo, alcançar o segundo lugar.
E era a “Locomóvel”, nome de batismo popular dado à possante máquina que aportou por aqui a bordo de um vapor da Baiana e transportada à rua Ruy Barbosa, local de sede da briosa “Luz e Força”, ou para os menos esclarecidos o motor de luz. Quem não lembra da festa iniciada com discursos e foguetórios para comemorar a chegada de um potente motor de luz! Era a glória, para os políticos de então, a começar pelo prefeito Edson Castro, autor do pedido.
E chamava a atenção o tamanho da Locomóvel, que para os mais viajados parecia um motor de navio transatlântico, embora para outros se tratasse de uma cabeça de locomotiva vinda do exterior para gerar energia elétrica de qualidade em Canavieiras. Nem mesmo essa grandeza toda seria capaz de fornecer a potente iluminação – se comparada aos candeeiros, fifós, placas e aladins das residências – em toda a cidade.
Como a potência foi reconhecida insuficiente, um conhecido eletricista recomendou ao prefeito que não se avexasse com isso e estabelecesse um rodízio no fornecimento da moderna energia elétrica disponível das 18 às 23 horas. E a energia se despedia solenemente, com os devidos avisos de antecedência do desligamento, para dar tempo aos notívagos e os mais afoitos casais de namorados chegarem a casa ainda no claro.
– Vai ser batata! – disse o eletricista ao prefeito, detalhando o projeto na ponta da língua.
– Num dia, a gente liga as ruas Ruy Barbosa (onde ficava a Locomóvel), rua 13 (que ainda não era Octávio Mangabeira), General Pederneiras e dos Pescadores. No outro será a vez do complexo de praças da Bandeira, 15 de Novembro, São Boaventura e a avenida J. J. Seabra (hoje ACM). No terceiro dia seriam contempladas a Benjamim Constant, Marechal Deodoro e Barão de Cotegipe.
E assim foi vivendo a sociedade canavieirense, que marcavam suas festas e demais eventos sociais para os dias de clarão em sua residência, gozando, portanto, das modernidades de então. Mas como a teoria de Murphy nos ensina que não existe nada ruim que não possa piorar, eis que a gloriosa Locomóvel bateu biela, quebrou pistom, queimou válvulas e chegou ao fim de linha. Eis que o que era ruim ficou pior.
Eram os tempos do prefeito Osmário Batista, que prometeu substituir a Locomóvel por um gigantesco motor, equipamento vindo do exterior, não se sabe ao certo se Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Mas vinha com a missão de iluminar todo o território canavieirense, até a distante Potiraguá, ainda dentro dos seus domínios. Também não deu certo e o possante motor, logo apelidado de “elefante branco”, dada a sua pífia serventia.
Foi o caos. Mas eis que as gestões políticas e uma comissão de alto nível liderada pelo prefeito Edmundo Lopes de Castro fez ver ao governador Lomanto Júnior que uma cidade do porte e da importância de Canavieiras não podia ficar às escuras, sob pena dos eleitores não acertarem nem mesmo depositar os votos nas urnas.
Diante de tão qualificado e irrecusável apelo, eis que no dia 13 de dezembro de 1963 três conjuntos de motogeradores doados pelo governador Lomanto Júnior começam a funcionar, justamente no dia consagrado a Santa Luzia. Com isso, a outrora possante Locomóvel foi aposentada e hoje, sequer, lembram dela, caiu no mais absoluto esquecimento.
Entretanto, os três pequenos conjuntos de motogeradores não se encontravam à altura dos costumes de tradições de Canavieiras. É certo que deu sua contribuição, aumentando em uma hora o fornecimento de energia elétrica – das 18 às 24 horas – o que era um considerável avanço, mas a vida noturna, a boemia, já não podia continuar às escuras, o cinema pretendia exibir uma segunda sessão, o clube social promover suas festas até o raiar do dia e sem energia nada disso seria possível.
Foi então que no fatídico dia de 23 de agosto de 1973, sob as bênçãos de Antônio Carlos Magalhães e do prefeito João Perelo, Canavieiras se integra ao seleto grupo de cidades interligadas ao sistema da Barragem do Funil e quiçá o moderno sistema de Paulo Afonso. Um dia como esse era especial e merecia uma comemoração à altura do benefício. E Canavieiras comemorava a luz hidráulica.
Imediatamente, um grupo de rapazes alegres e chegados a um dia de folguedos etílicos sugerem – ou melhor, já levaram pronto – o ato oficial para decretar feriado em todo o Município, inclusive no Banco do Brasil, onde trabalhavam. E assim foi feito: O prefeito João Perelo assinou o decreto e a cachaçada “comeu no centro” até altas horas do dia seguinte.
Festejou-se muito, para nada! É que o governador Antônio Carlos Magalhães, o “Toinho Ternura” – responsável pelo fiat lux –, não estava presente às comemorações da nova iluminação e marcou uma nova data, 23 de outubro de 1973, esta oficial, com direito a aplauso de toda a sociedade. E para isso, um novo feriado foi decretado – também com a ajuda do grupo Tolé, Tedesco e cia… – com o competente fechamento dos bancos.
Mais uma homérica cachaçada, em que até um professor e ex-pastor – um homem de Deus, portanto –, Dr. Boinha Portela, se juntou à gandaia. Uma festa de arromba, digna do esquecimento da Locomóvel, máquina usada e abusada para não deixar a cidade às escuras, mas agora aposentada e enterrada num ferro-velho qualquer desse Brasil afora.
Tolé até hoje se lembra da maldade que fez com “velho professor” e da homérica ressaca sofrida. Mas, o que fazer, se até o Dr. Boinha Portela tinha colocado toda as mercadorias engarrafadas de O Berimbau à disposição dos amigos, com a recomendação expressa dada a Neném de Argemiro de não cobrar nada de ninguém, pois a farra seria bancada do seu próprio bolso.
Realmente, foi por uma causa justa, justíssima! Fiat lux!