Por Walmir Rosário*
Ao que tudo indica, a paciente está em situação terminal, respirando por aparelhos e todos os medicamentos receitados não conseguem debelar a septicemia; morte na certa, apesar de todos os esforços. A enfermidade que acometeu a Ceplac desse mal de morte vem de muitos anos, e as internações em enfermaria, Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e agora na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), não conseguiram salvá-la.
Como diagnosticada anteriormente, o mal era de morte e o tratamento nem sempre obedeceu a frequência recomendada pela equipe médica, seja por culpa própria de não se submeter à terapia, ou pela mendicância do “sistema de saúde”. O roto não pode falar do mal vestido, pois concorreram igualmente para que a paciente chegasse ao quadro irreversível de infecção generalizada.
Muito se debateu sobre a independência ou autonomia administrativa e financeira da Ceplac, que sempre ostentou um nome principesco: Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira. Passada a primeira fase, a de recuperação financeira, sofre um corte no nome Recuperação, o que não foi suficiente para esconder suas mazelas, que sangram até o presente momento.
E não foi por falta de trabalho – apesar de manter alguns fantasmas e improdutivos –, porque a maioria fez a diferença, transformando uma região que teve sua principal matriz econômica em situação gravosa em rica e produtiva. E a Ceplac de Carlos Brandão e José Haroldo Castro Vieira cuidou não só do cacau, mas da economia como um todo, da cultura, e do social. Bons tempos aqueles!
Hoje, quando falamos em Ceplac temos pouco a comemorar. Há uns dias recebi de um velho colega ceplaqueano um bilhete, via whatsapp que, em tom fúnebre, dizia: “Está acontecendo o que esperávamos quanto ao fechamento total da Ceplac. O superintendente pediu que entrasse em contato contigo [outra pessoa] e te colocasse a par do que está acontecendo”.
No parágrafo abaixo continuou: “Eis as questões: Os escritórios locais de Itapitanga, Itajuípe, Coaraci, Ibicaraí, Buerarema, Ibicuí e Barro Preto serão fechados. Os funcionários remanescentes dessas unidades terão como opções: 1 – Ir para a sede regional; 2- Solicitar transferência para qualquer órgão federal dentro da Federação ou em sua própria cidade se houver vaga disponível; 3- Solicitar transferência para os escritórios de: Floresta Azul e Itororó; 4- Entrar com pedido de aposentadoria (aqueles que tiverem tempo suficiente)”.
E para arrematar: “Os bens permanentes de cada unidade deverão ser transportados para a sede regional tão logo se disponibilize veículo para tal. As unidades locais (os prédios), deverão ficar fechados e serão entregues à União para dar o devido destino. Gostaria portanto, que você me diga hoje, qual será sua opção para que eu possa informar ao superintendente regional”. E mais umas duas frases chorosas desse colega.
Sabemos que tudo tem o seu ciclo: nasce cresce e morre, mas que, pelo menos, morra com decência e tenha um sepultamento digno. Costumo dizer que uma instituição não pode ser menor que um indivíduo, e foi o que aconteceu. Se perdeu nos corredores de Brasília ao ser loteada conforme a ideologia, como previa José Haroldo com a ascensão dos chamados progressistas (esquerda) ao poder.
Testemunhamos uma luta de gigantes cientistas buscando oferecer um cacaueiro mais produtivo, com as boas práticas agrícolas recomendadas, um processo de secagem natural para tornar a amêndoa sem cheiro de fumaça: chocolate de primeira, como os gringos gostam. E a Ceplac conseguiu. Em troca, os cacauicultores chegaram a vender uma tonelada de amêndoas secas por cerca de US$ 4,5 mil. Era o esplendor.
O dinheiro do cacau sempre foi pródigo, e no privado construiu as velhas mansões do Barris, do Corredor da Vitória, da Barra, em Salvador; suntuosos apartamentos em Copacabana, Ipanema e Leblon. Também nunca se recusou a investir, no público, na implantação do Centro Industrial de Aratu, posteriormente no Copec e Copene, nos áureos anos de 1960 e 70. Éramos ricos e não queríamos entender de política, deu no que deu.
Se a pesquisa continua fazendo sua parte em menor escala, por falta de pesquisadores, que a cada dia se aposentam, a extensão rural vai pelo mesmo caminho, com o agravante de ter perdido o foco, haja vista os métodos hoje empregados. Não repôs o quadro de funcionários e o último concurso foi realizado na metade da década de 1980. A instituição envelheceu após ensinar aos cacauicultores como conviver com a vassoura de bruxa.
Há mais de 40 anos, a Divisão de Comunicação (Dicom) da Ceplac, na qual tive a honra de trabalhar, criou o slogan “Só cresce quem renova”. Essa campanha representava o rompimento com os velhos e decadentes pés de cacau, trocando-os por novas plantas, estas altamente produtivas e resistentes às pragas e intempéries, numa campanha publicitária que apostava no marketing para transformar a decrépita lavoura cacaueira em produtiva e capaz de gerar lucro para o cacauicultor e desenvolvimento para a região.
A Ceplac, cujo cabedal de conhecimento era de fazer inveja aos grandes centros de pesquisas e universidades no mundo inteiro, não soube fazer a lição de casa e começou a morrer de inanição. O quadro foi se agravando, a instituição morrendo à míngua, e poucos a reconhecem por tudo que representou para a economia do Sul da Bahia.
Nem mesmo os herdeiros se apresentam para o reconhecimento do corpo e o funeral.
*Radialista, jornalista e advogado