Trapalhadas e/ou “atrapalhadas”?

Por Ronaldo Abude

O advento da Covid-19 marca mais uma vez o impacto da incompetência da Gestão Pública como elemento causador de prejuízos coletivos continentais. A doença veio como uma bomba e trouxe inúmeros estragos gerados pela incúria e pela falta de planejamento na Bahia e, em particular, em Itabuna.

Participei e ajudei a formar um comitê aprovado pelo então Prefeito em exercício, Fernando Vita, formado por médicos, empresários, sindicatos, Polícia Militar, comunicadores e pessoas da secretaria de saúde, ou seja, um comitê multidisciplinar. A ideia era planejar o enfrentamento da Covid e ajudar o Poder Executivo a tomar decisões. Assim foi feito. A estratégia hospitalar foi escrita, bem como um plano de ação. Ocorre que depois de feito o plano, começaram as trapalhadas da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e com a complacência do Prefeito de Itabuna.

Começou com uma decisão estabanada de transferir “imediatamente” os pacientes do Hospital de Base para o Hospital Costa do Cacau em Ilhéus, pois iriam transformar o Base em hospital 100% Covid. Foi ambulância transferindo os pacientes durante a noite e todo o dia seguinte a toque de caixa. Os médicos enlouqueceram tendo que autorizar na marra essas transferências. Nem tomaram conhecimento do planejamento feito pelo comitê e atropelaram tudo e, também, com a complacência do Prefeito.

Cinco dias depois, verificando a trapalhada que fizeram, mudaram de ideia e trouxeram os sofridos pacientes de volta ao Base em meio a uma balbúrdia completa dentro do Hospital Costa do Cacau. Bom que se observe que existiram denúncias que precisam ser apuradas de que o Hospital Costa do Cacau não tinha, até então, qualquer preparo para receber pacientes de Covid e que acabara se tornando o epicentro da doença na região. Dezenas de profissionais de saúde desse hospital administrado pelo Governo do Estado da Bahia ficaram contaminados. Repito, isso precisa ser apurado.

Passada essa primeira trapalhada, voltamos com as reuniões do comitê, que se realizava no Batalhão da Polícia Militar em ambiente aberto e com distanciamento entre os participantes. Em um belo dia, no meio de nossa reunião, desce um helicóptero, para surpresa até do Comandante do

Batalhão, com dois engenheiros que, a pedido do Governador, iriam fazer uma inspeção no Hospital São Lucas para uma provável reabertura.

Alguns ficaram sem entender nada, já que havíamos identificado a total inviabilidade do uso desse hospital por questões financeiras e pela estratégia de equipe médica especializada em unidade de tratamento intensivo. Mas, mais uma vez complacente, o executivo municipal não respeitou o planejamento estratégico do comitê, e permitiu essa nova investida do Estado nas decisões de nossa cidade. Como já sabíamos, uma semana depois, o governo do

Estado volta atrás e diz que era inviável economicamente a reabertura do Hospital São Lucas.

Essa segunda trapalhada gerou muitos atrasos e uma grande preocupação. Sabíamos que um fechamento do comércio por mais de trinta dias, associada a uma não ampliação dos leitos de atendimento, geraria dois problemas. Primeiro: um provável afrouxamento nas medidas de isolamento devido a problemas financeiros incalculáveis; e segundo: um colapso nos hospitais pela não ampliação dos leitos exclusivos para Covid.

No dia 15 de abril e com a retorno do Prefeito, percebi que estávamos perdendo tempo com o comitê. As decisões sistematicamente eram monocráticas, sem a participação do comitê e sem ouvir sequer a sociedade. Aí começou mais um show de trapalhadas. Ameaças à população, ao estilo regime de exceção, de convocação do Exército para reprimir aqueles que não obedeciam ao isolamento, toques de recolher com desfile de carros da Polícia Militar e da Guarda Municipal numa forma de intimidação e campanhas restritas ao “fique em casa”, sem entender as reais causas de as pessoas terem que ir para as ruas.

As trapalhadas não pararam por aí. O Consórcio Nordeste, liderado pelo Governador Rui Costa, gestor do consórcio, compra 300 respiradores da empresa Hempcare com sede em São Paulo no dia 8 de abril de 2020. Com um detalhe, pagou R$ 48 milhões antecipados, não recebeu os respiradores e os recursos não foram devolvidos. Isso mesmo! Não é incrível?

Esse caso deu início a uma operação da Polícia Civil da Bahia denominada de Ragnarok, que investiga a empresa por vender e não entregar os respiradores. A delegada do caso, Dra. Fernanda Asfora, disse ao G1 Bahia que “diante dos inúmeros indícios de fraude, caracterizou que a empresa nunca teve os equipamentos, tinham apenas uma expectativa remota de fornecer outros equipamentos, que não os contratados”.

Mais um atraso na entrega daquilo que de fato salva vidas de pacientes graves: oxigênio!

Eu diria que essa trapalhada nem graça tem, apesar de ser hilária e a maior de todas.

Mesmo sem receber o dinheiro dos respiradores de volta, o Governo endinheirado da Bahia comprou mais 150 respiradores e prometeu 15 deles para Itabuna. Essa promessa foi cumprida mas…
Mas, não para por aí. Ontem o Secretário de Saúde de Itabuna foi exonerado supostamente por críticas feitas ao Secretário de Estado Fábio Vilas Boas. E hoje ele deu uma entrevista denunciando que os 15 respiradores entregues pelo secretário estadual “não servem para leitos de UTI, não aguenta e vai ter que ser devolvido. São ventiladores portáteis”.

Dessa vez, só rindo, viu?

O secretário Vilas Boas no mesmo dia respondeu ao Blog Políticos do Sul da Bahia, que “o secretário de Itabuna confirma com suas declarações o quanto estava despreparado para assumir a função que ocupou” e completa dizendo que “as especificações desse aparelho atendem ao que precisamos para a maioria dos pacientes alvo na atual situação da pandemia”.

Ocorre que um relatório emitido por um engenheiro clínico aponta que tais respiradores têm de fato pontos desfavoráveis como:
1 – Não têm Peep ideal, pois seu máximo é 19;
2 – Durante a alteração de parâmetros, não há uma mudança gradual podendo causar traumas no paciente;
3 – Não obedece ao que foi selecionado pelo profissional; 4 – Tela aparece apenas o fluxo;
5 – Não têm sensibilidade;
6 – Válvulas internas parecem descalibradas;
7 – Não têm numeração na seleção de volume no botão;

8 – Seleção de oxigênio não é confiável, além de que não chega nos 100% quando selecionado.

Bem, esse é o impacto da má gestão pública e que causa danos irreparáveis à sociedade. Um estrago sem limites causados pela inoperância, pela falta de planejamento e pela negligência com os recursos públicos.
Mas, serão realmente apenas trapalhadas ou seriam “atrapalhadas”?
O mais irritante disso tudo é ver o discurso desse povo dizendo que querem salvar vidas. Que vidas: as deles?
Salvar vidas quando já temos mais de 1.000 desempregados segundo o Caged?
Salvar vidas quando já temos dezenas de empresas quebradas?
Salvar vidas quando já temos 50 mortos e estamos na iminência de um
colapso por falta de respiradores e leitos de UTI?
Salvar vidas quando vemos na periferia pessoas completamente à margem e sem serem acolhidas pelo Estado?
Salvar vidas quando só agora o ex-secretário afirma ter R$ 64 milhões na conta da Prefeitura e ainda estamos nesse patamar?

Esse dinheiro era para melhorar a estrutura hospitalar e acolher os mais pobres com equipamentos para sua proteção ou para ficar em caixa?
Então o que nos resta é exigir que esse recurso seja devolvido ao Governo Federal por não ter sido utilizado para salvar vidas!

3 thoughts on “Trapalhadas e/ou “atrapalhadas”?

  1. Ñ posso acreditar mesmo acreditando . Se ñ fosse verdade estaria lendo um conto de novela,mas vindo de tantos palhaços políticos mais interessados em desviar e lucrar nada mais me surpreende . Uma pergunta , quando a POLICIA FEDERAL E MINISTÉRIOS PÚBLICOS vão entrar em ação? Are quando vamos assistir essas palhaçadas trancadas dentro de nossas cosas esperando ?
    “Eu é que não me sento
    No trono de um apartamento
    Com a boca escancarada
    Cheia de dentes
    Esperando a morte chegar

    Porque longe das cercas
    Embandeiradas
    Que separam quintais
    No cume calmo
    Do meu olho que vê
    Assenta a sombra sonora
    De um disco voador

    Ah!
    Eu é que não me sento
    No trono de um apartamento
    Com a boca escancarada
    Cheia de dentes
    Esperando a morte chegar

    Porque longe das cercas
    Embandeiradas
    Que separam quintais
    No cume calmo
    Do meu olho que vê
    Assenta a sombra sonora
    De um disco voador”

  2. Perfeita radiografia da incompetência da gestão pública municipal e estadual que está custando vidas e arruinando a economia da cidade.

  3. Como fazer? O que fazer?
    Muito revelador seu texto e obre comigo é mais um grupo de quase quarenta pessoas para apoiá-lo na busca da justiça, cobrança e fiscalização.

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