Por Kleber Torres
A morte do ex-prefeito de Itabuna e ex-deputado federal Fernando Gomes Oliveira, aos 83 anos, teve ampla repercussão no Sul da Bahia, com destaque para um sem número de mensagens e comentários nas redes sociais, com afirmações de políticos, empresários, correligionários e amigos de um político que por cinco décadas esteve no epicentro da política local e regional. Ele morreu sem concretizar um dos seus sonhos: a criação do Estado de Santa Cruz, um projeto que apresentou na Câmara Federal.
Natural de Itabuna, onde nasceu no dia 30 de junho de 1939, filho de José Oliveira de Freitas e de Ester Gomes de Oliveira, fez curso técnico em contabilidade no Colégio Comercial de Itabuna entre 1961 e 1963, período em que se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ao longo desses anos, dedicou-se a atividades agropecuárias em suas propriedades no sul e no sudoeste do estado.
Era divorciado de Gislene Neiva Monteiro Oliveira, com que teve quatro filhos e atualmente era casado com Sandra Neilma, com quem teve duas filhas.
O prefeito de Itabuna, Augusto Castro, que o sucedeu no cargo, lamentou o falecimento do ex-prefeito de Itabuna, hoje (24), em Salvador, onde estava internado no Hospital Aliança da Bahia e decretou luto oficial por três dias em memória do ex-gestor, “cuja trajetória política e administrativa é por todos reconhecida”. Destacou ainda, a sua atuação como “político desde a década de 1960, teve cinco mandatos de prefeito ao longo de sua trajetória, que se iniciou em 1977 ao suceder o ex-prefeito José Oduque Teixeira”, declarou.
Os seus mandatos foram exercidos de 1º de janeiro de 1977 a 31 de dezembro de 1982, 1º de janeiro de 1989 a 1992, 1º de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2000, 1º de janeiro de2005 a 31 de dezembro de 2008 e 1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2020. Também foi deputado federal 1983 a 1988, (constituinte) 1987 a 1988 de 1995 a 1996.
O governador Rui Costa lamentou a morte do ex-prefeito de Itabuna, de quem era amigo pessoal, e decretou luto oficial de 3 dias no Estado. O governador destacou em sua conta no Twitter: “Quero manifestar meu pesar pela morte do ex-prefeito de Itabuna e ex-deputado federal, Fernando Gomes. Que Deus conforte seus familiares, amigos e itabunenses”.
Pré-candidato ao governo, ACM Neto também se manifestou sobre a morte de Fernando Gomes, que foi “uma das maiores lideranças de toda a região sul da Bahia. Prefeito por cinco vezes, deixou sua marca em Itabuna com muitas obras que contribuíram para mudar o perfil da cidade”, afirmou Neto. O ex-prefeito de Salvador também manifestou solidariedade aos familiares e amigos de Fernando Gomes. “Que Deus conforte os corações e dê muita força aos familiares neste momento de profunda dor e tristeza”.
“Recebi com pesar a notícia do falecimento do ex-prefeito Fernando Gomes. Externo meus sentimentos de solidariedade cristã aos familiares, amigos e correligionários”, declarou o ex-prefeito e ex-deputado federal Geraldo Simões, do PT, que o enfrentou em várias eleições municipais.
O presidente do diretório municipal do PT. Jackson Moreira também divulgou uma nota lamentando a morte do ex-prefeito. O que também foi lamentado por lideranças de outros partidos que integraram a sua base aliada.
História e livro
Há mais de 50 anos no epicentro da política de Itabuna e por extensão do Sul da Bahia, depois de cinco mandatos como prefeito e outros três como deputado federal, Fernando Gomes é um político polêmico e controvertido. A compreensão deste fenômeno tem um referencial: o livro Fernando Gomes – O político / uma vida por Itabuna, doutorando Fernando Caldas, hoje vivendo em Portugal e integrante da Academia Grapiúna de Letras – Agral.
O livro aborda a trajetória política de Fernando Gomes desde o início, na década de 1970 até 2008, quando terminou o seu quarto mandato na prefeitura de Itabuna, traça também um perfil de um tocador de obras, mostrando não apenas as suas realizações, como também o seu papel como oposicionista do regime militar filiado ao MDB e depois ao PMDB, prevendo inclusive a agudização da luta entre fazendeiros e índios pela posse da terra. O que ocorreu em Itajú e mais recentemente no triângulo formado por Buerarema, Ilhéus e Una. A questão foi levada por ele ao Congresso Nacional e às lideranças do governo.
A obra, é a primeira de uma trilogia a ser complementada, com um livro sobre Fernando Gomes – O homem , mostrando o seu lado religioso, passional e romântico, além de revelar as suas relações com a família, vínculos afetivos e o que o autor considera “sua abertura irrestrita aos povos de terreiro, as comunidades gays e outras tribos, sem quaisquer preconceitos, comuns a pessoas de sua geração”.
A trilogia, por certo, será complementada por um terceiro volume com foco na vida empresarial de Fernando Gomes, que sempre investiu no setor da pecuária e chegou a ter um rebanho de 23 mil cabeças de gado.
Capítulos
Em Fernando Gomes – o Político, o projeto foi dividido em capítulos como o do Cerrrado, que fala das suas atividades na agropecuária administrando a fazenda Duas Marias, e de um homem em que “tudo nele é uma paixão desenfreada. Ele é o líder nietzcheano que tantos teóricos sonham ser e não podem”, comenta o biógrafo Fernando Caldas, ao tentar mostrar como e porquê Fernando Gomes se transformou no que considera como o maior mito político da região sul-baiana, desde Fermando “Cuma”, de 1975 até o deputado federal que participou da elaboração da Constituição de 1988, cujo “nome está presente no imaginário grapiúna, através de pilhérias, histórias fantasiosas e casos tantos”, complementa.
Em As Léguas, o livro mostra a história da família, de origem cearense e que “desde a sua origem, é de oposição às forças de direita e às oligarquias”, para concluir que “tal marca é fundamental para se entender o fenômeno Fernando Gomes, a partir de 1976, as razões que fizeram dele um porta voz dos excluídos itabunenses”, com investimentos em políticas e ações sociais. Cita como exemplo de realização na área social, a criação da Roça do Povo primeiro assentamento municipal no país.
No capitulo A política, é evidenciado que Fernando Gomes entrou neste circuito pela proximidade com esse mundo, através do irmão Daniel, já falecido e de Aziz Maron, que foi deputado federal e de quem era amigo. Maron foi também autor de um projeto que separava o Sul da Bahia do território baiano e que teve desdobramento nas mãos de Fernando Gomes que o ampliou.
Também revela Fernando Gomes como um estrategista que atuou de forma decisiva na campanha que elegeu José Oduque, depois assumindo a secretaria de administração e tendo em seguida seu nome catapultado para a disputa da sucessão municipal. Fala ainda dos encontros e desencontros dele com ACM, a quem fez oposição ferrenha e depois se tornou um aliado em função da sua amizade pessoal com Luiz Eduardo Magalhães, que chegou a ocupar a presidência da Câmara dos Deputados.
O livro faz um contraponto entre a ascensão política de Fernando Gomes na região e o fenômeno Lula, que ganhou dimensão nacional, voltando agora ao cenário político disputando mais uma eleição presidencial. O capítulo que fala do prefeito, faz uma retrospectiva das obras e realizações do político ao longo de quatro mandatos, construindo escolas, investindo na construção do Ginásio de Esportes e em infraestrutura, culminando com a construção do Hospital de Base. No seu último mandato ele construiu o Teatro Municipal Candinha Dórea numa pareceria com o governo do Estado.
Sem citar nomes, o livro revela um Fernando Gomes populista e que vocifera no seu estilo contra “uns secretários incompetentes quase destruíram esse meu governo mais recente”, no período 2005/2008, mas não poupou elogios ao então secretário de educação, Gustavo Lisboa.
A história da Maternidade da Mãe Pobre ocupa um capítulo à parte no livro e a também a amizade entre Fernando e Tancredo Neves, que teve sua candidatura a presidente da República lançada em um jantar no seu apartamento funcional em Brasília e que considera um aliado importante do projeto do estado de Santa Cruz, mas que morreu sem assumir o comando do governo.
O livro fala ainda da privatização da Sulba, vendida com subpreço pelo governo do estado e de problemas com o TCU provocados pelos secretários José Henrique, Isaac Ribeiro e Jesuíno Oliveira, que segundo Fernando Gomes não agiram por má fé, mas por incompetência técnica. Ele denuncia que alguém no Tribunal de Contas dos Municípios, que teria cobrado R$ 200 mil em 2008 para a aprovação das contas do seu governo.
O projeto do estado de Santa Cruz, que foi derrotado na segunda votação por uma diferença de 16 votos, mereceu um capitulo a parte na obra. O projeto foi elaborado ainda em 1985 e o novo estado englobaria todo o sul do estado da Bahia, mais o sudoeste, grande parte do vale do São Francisco e do extremo oeste, estendendo-se até a divisa com Goiás. Caso passasse e fosse viabilizado Fernando Gomes por certo teria sido o seu governador e quando nada ocuparia uma vaga no Senado.
O novo estado contaria com 165 municípios, uma população de cerca de quatro milhões de habitantes e cidades do porte de Ilhéus, Itabuna, Jequié e Vitória da Conquista. Em troca de uma área do norte de Minas Gerais, que passaria a integrar o estado de Santa Cruz, o projeto previa a cessão a Minas de uma faixa do extremo sul baiano, proporcionando assim aos mineiros uma saída para o mar e atraindo as simpatias de sua representação no Congresso Nacional.
Aprovado nas comissões de Justiça e Interior da Câmara dos Deputados, o projeto de Fernando Gomes esbarrou na oposição de praticamente todos os deputados estaduais baianos, que o rotularam de “divisionista” e “eleitoreiro”. O projeto foi objeto de uma ampla campanha publicitária contrária a partir de uma peça com Maria Betânia e de uma grande mobilização de jornais de circulação no estado com o tema de que a Bahia não se divide.
O livro fala ainda do Carnaval antecipado, um sucesso de marketing da administração de Fernando Gomes e conclui, lembrando que ele nasceu para conquistar o mundo e não para sonhá-lo: “Como nenhum outro político grapiúna, sabe se utilizar do amor e do chicote de uma maneira equilibrada. Ele acredita que ao lado de Nossa Senhora poderá tirar Itabuna das ruínas e retorná-la aos seus dias de glória”, depois de afetada por uma epidemia de violência, dengue, chikungunya e zika, e agora pela covid-19, da qual foi um sobrevivente, isso sem falar de uma estiagem prolongada que afetou o abastecimento de água e comprometeu o seu desenvolvimento até a construção da barragem do rio Colônia, construída pelo governo do Estado e inaugurada na sua última gestão.
Foto: Fernando Gomes e Silvio Santos no programa Porta da Esperança/Acervo Jornal Agora