O Ministério Público da Bahia anunciou, nesta quarta-feira (09), a abertura de um procedimento para apurar os fatos relacionados à venda de imagens de peças de cerâmicas de negras e negros escravizados, na loja Hangar das Artes, que fica no aeroporto de Salvador.
O órgão afirma que recebeu a denúncia na terça-feira (08) e que já nesta quarta-feira (9), a Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo determinou a notificação da representante da loja para esta que forneça informações em um prazo de cinco dias, a contar da data do recebimento da notificação.
O Ministério Público diz que após o envio das informações, avaliará quais medidas cabíveis serão tomadas contra a loja.
Na última segunda-feira (7), imagens de peças de cerâmicas de negras e negros escravizados à venda, em uma loja que fica no aeroporto de Salvador, causaram indignação nas redes sociais. As imagens foram publicadas pelo historiador carioca Paulo Cruz, que havia visitado a capital baiana e estava no aeroporto para viajar para o Rio de Janeiro, onde mora.
A “mercadoria” causou indignação do turista, e de muitas pessoas nas redes sociais. Segundo Paulo, a imagem foi feita no final da tarde de domingo (6), no estabelecimento.
A loja Hangar das Artes pediu desculpas sobre o caso, mas afirmou que se tratava da reprodução da imagem dos Pretos Velhos, entidade cultuada em religiões de matriz africana.
Nesta terça-feira (8), o g1 conversou com religiosos – um deles o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA) – e uma pesquisadora, que apontaram equívocos na associação do símbolo escravocrata aos Pretos Velhos.
A doutoranda Carla Nogueira, pesquisadora de religiões de matrizes africanas, foi uma das especialistas ouvidas pela reportagem. “A figura dos Pretos Velhos não tem nenhuma ligação com essa imagem negativa e escravocrata, que o racismo tenta colocar. Nossas simbologias são positivadas através do elemento da cura, da resistência, do cuidado, da sabedoria, e não desse formato de escravização”.
Posicionamento da loja e protestos na internet
A nota de retratação da loja Hangar das Artes, em que o estabelecimento associa a imagem dos negros escravizados aos Pretos Velhos, foi publicada na internet. Com a postagem, várias pessoas protestaram na rede social. [Veja nota completa abaixo]
“Pior que a venda, só a ‘justificativa’ de vocês. Eu nem vou escrever o que vocês merecem, não vale a minha energia… PIADA! Completo ABSURDO”, escreveu uma mulher
“Gente, melhorem nas justificativas de se tentar justificar o injustificável. A venda já é péssima, agora acrescentar a fé e crenças de outros como justificativa é o pior. Vocês o fazem, porque sabem que não serão afetados por isso, pois grande parte dos que turistam por Salvador, a cara gente branca, compra essa desculpa e também essas imagens, porque pra branquitude se justifica e se aceita”, argumentou um homem.
“Privilégio é isso. A exposição das peças, a descrição, a venda, e, depois da repercussão soltar uma nota dessas. Não vou desejar que melhorem porque não acredito que isso vá acontecer. O $ [dinheiro] de vocês tá garantido, e de privilégio em privilégio vão tocando os negócios. Que coisa patética, pra dizer o mínimo. O racismo perdura porque segue sendo lucrativo”, complementou uma outra internauta.
Depois das manifestações nas redes sociais, a loja não se posicionou mais sobre o assunto. Veja nota completa abaixo: “A loja Hangar das Artes vem a público se retratar e esclarecer os fatos ocorridos na manhã de hoje (07/02/2022).
Trata-se de uma empresa que emprega inúmeras pessoas, atuante no mercado de artesanato e obras de arte há mais de 20 anos, comercializando e divulgando a confecção de obras de diversos artistas regionais, sempre incentivando a produção daquele pequeno artesão cujo seu sustento depende exclusivamente de sua arte.
Todas as obras que exibimos são voltadas para a exaltação da cultura e história baiana e brasileira. Nossa loja está localizada no Aeroporto de Salvador e sempre exaltou as diversas culturas, com ênfase na cultura africana, já que temos orgulho de demarcar que somos, provavelmente, a cidade mais negra fora de África. Sempre com muito respeito e admiração.
As imagens que estão circulando, de algumas de nossas esculturas, tratam-se da imagem do Preto(a) Velho(a) – espíritos que se apresentam sob o arquétipo de velhos africanos que viveram nas senzalas, majoritariamente como escravos, entidades essas que trabalham com a caridade e cuidam de todas as pessoas que os procuram para melhorar a saúde, abrir caminhos e ter proteção no dia a dia. Por isso, algumas das peças possuem correntes, na tentativa (ERRÔNEA) de retratar a história dessa entidade de maneira literal. Erramos na forma em que as peças foram expostas e em descrevê-los apenas como escravos, apagando, de certa forma, a história que carrega.
Pedimos nossas mais sinceras desculpas a todos que se sentiram feridos e menosprezados pela maneira como conduzimos às coisas. Nossa intenção JAMAIS foi menosprezar, ferir ou destituir da imagem de uma entidade tão importante e a potência de sua história. Nossas correntes foram quebradas! E não queremos de maneira alguma trazer de volta memórias desse passado tenebroso e vergonhoso.
Por isso, retiramos todas as peças de circulação afim de minimamente nos retratar diante do ocorrido. Sabemos que não se apaga o que foi feito, mas reconhecemos a nossa falha e não tornaremos a repeti-la, não só pela repercussão que houve e sim por não condizer com a nossa verdade.
Nossas sinceras desculpas pelo ocorrido”.
Foto: Paulo Cruz