*Clóvis Júnior
A preservação do passado e a manutenção da cultura de um povo dependem também do conhecimento que se tem dos seus monumentos, edifícios e espaços públicos. A cada dia que se passa Itabuna perde parte de sua identidade pela reiterada destruição e esquecimento de seus símbolos históricos. As gerações atuais pouco ou nada sabem do rico e denso pretérito grapiúna.
Já nos falta um museu (por absurdo que pareça), que nos proporcionaria, por meio das peças expostas, conservar, conhecer e difundir nossa história. O que nos resta é mergulhar nas ruas e praças da cidade para tentar esmiuçar o passado e tentar entender o porquê de sermos o que somos hoje. Então, vamos lá…
Desde os primórdios, ainda quando os viajores com destino a Minas Gerais chamavam o lugar de “Sítio dos Sergipanos”, o espaço da atual praça Olinto Leone é testemunha da metamorfose ocorrida na cidade itabunense. Sua localização sempre foi privilegiada, inicialmente como parte integrante do roçado do pioneiro Manoel Constantino, depois, como área adjacente ao grande jequitibá, que deu nome ao arraial de Tabocas, e também por estar ligada ao primitivo rio Cachoeira, permitindo-lhe proximidade à lendária “Ilha do Jegue” e à roça da “Marimbeta”, propriedade do desbravador Félix Severino do Amor Divino.
Aquele antigo espaço, próximo ao primeiro arruado (rua da Areia), ao ser erigida a igreja de São José, passou a ser chamado de “Largo da Matriz”, que urbanizado, transformou-se em “Praça da Matriz” e, adiante, numa espécie de memorial da Proclamação da República, teve seu nome alterado para “Praça XV de Novembro” e, por fim, para que os munícipes não esquecessem seu primeiro gestor, recebeu a atual denominação de “Praça Olinto Leone”.
Num curto período, serviu, também como necrópole. Dos cinco terrenos já ocupados pelos mortos grapiúnas, o segundo foi ali, entre os anos 1910-1912.
O nome Olyntho Baptista Leone (grafia original) significa muito para Itabuna, sua representatividade e ações dariam um livro, e denso; mas atualmente está restrito à praça homônima. Olinto Leone chegou a Tabocas para atuar no setor de medições de terra, e, com sua eficiência e popularidade, chegou a assumir uma vaga da Câmara Estadual, tendo sido indicado pelo governador José Marcelinho para ser o primeiro intendente da cidade. Era engenheiro civil e partidário do adamismo, corrente política liderada pelo ilheense Domingos Adami de Sá. Residia na rua Miguel Calmon, na esquina onde foi construído o edifício do Príncipe Hotel. Sua ascensão política foi o motivo de o coronel Henrique Alves (também adamista) ter saído da mítica fazenda Sempre Viva e se instalado na Casa Verde, simbólica casa (ainda em pé) localizada no coração do outrora arraial grapiúna. Leone geriu a nova cidade com tamanha competência (1908-1910), o que o fez ser indicado uma segunda vez a um mandato (1910-1912), que não terminou tendo em vista grave enfermidade que o levou a óbito.
A paixão nacional teve na praça seus momentos de glória. A primeira várzea futebolística foi ali instalada. Os moradores do Arraial de Tabocas deliravam aos domingos enquanto as equipes amadoras locais duelavam em busca de uma merecida vitória. Por diversas vezes, o campo do “Largo da Matriz” serviu de palco para o primeiro grande clássico local: “União Brasil” versus “Guarany Esporte Club”.
Remanescentes de sua história primeva ainda podem ser vistos, mesmo que parcialmente ou com modificações: os ornamentos em forma de obeliscos localizados no terraço do imóvel situado na esquina da praça com a rua Adolfo Maron, o sobrado do médico Moisés Hagge e mais três imóveis levantados pelo patrono José Firmino Alves, dois sobrados e o palacete na esquina com a Miguel Calmon.
Muitas estruturas de seu entorno foram derribadas ou modificadas, a exemplo dos belos casarões, da antiga matriz de São José em estilo colonial, da residência do casal Gileno Amado e Amélia Amado, do antigo caramanchão da praça e do coreto da Filarmônica Lira Popular. Restam reminiscência na memória dos mais antigos e dos saudosistas. Mas a ausência mais sentida é do belo castelinho de dona Áurea Alves Brandão Freire.
O castelinho de dona Áurea ficava localizado no canto norte da praça, num terreno que abrange, atualmente, uma casa de serviços funerários e uma empresa de cursos profissionalizantes. Foi, talvez, o mais belo edifício da cidade, uma verdadeira joia arquitetônica. Um zeloso pai, ninguém menos que o comendador José Firmino Alves, o constrói para presentear querida filha em suas núpcias. Entre 1919 e 1924, seus 600 metros quadrados foram preenchidos com o mais caro material que o cacau e o bom gosto poderiam proporcionar. Inaugurado, somente no andar térreo havia quatro salões munidos de pisos de madeira baraúna e ipê-amarelo e afrescos no teto. Todos os cômodos foram ricamente decorados. Portas e camas de jacarandá, janelas com vitrais franceses, mesa de pau-brasil, lustres e luminárias importados da Europa. As cristaleiras, sempre abarrotadas de louças inglesas. Acrescentem-se a isso as duas imagens de sereias estrategicamente colocadas na entrada principal. Em 1989 o belo edifício de forma abrupta foi colocado no chão.
A Olinto Leone foi palco da instalação da primeira grande agremiação social da cidade: O Itabuna Clube, fundado em 1938, numa casa pertencente a Carlos Maron, sede atual do Banco do Brasil. Ali, por décadas, foi o ponto da elite itabunense, onde foram realizadas importantes reuniões, homéricas festas, históricos jantares e pensada a futura inserção de uma equipe de futebol no circuito profissional baiano.
Os munícipes de fé católica ali viveram a glória e o assombro. A primeira, com a inauguração, em janeiro de 1913, do primeiro santuário itabunense, dedicado ao padroeiro São José. Anos depois, em 1941, pasmados, viram o templo ruir, em parte, com o desabamento do teto.
Hoje, a praça é ambiente quase que totalmente comercial, mas ali já residiram figuras de relevância para o município, a exemplo de Firmino Alves (patrono e fundador da cidade), Carlos Maron (fundador da Santa Casa e diretor da Associação Comercial), Heitor Lamounier (primeiro funcionário local do Banco do Brasil S/A), capitão Aristeu Marques de Carvalho (delegado e “dono” da Ilha do Jegue), a família de Félix Severino do Amor Divino (pioneiros em Tabocas),
Moisés Hagge (médico fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Itabuna), além dos ilustres anteriormente mencionados – dona Amélia Amado (fundadora da Ação Fraternal) e seu esposo Gileno Amado (advogado, intendente, deputado e secretário de Estado do governo de Juracy Magalhães).
Palco de fatos importantes e intrigantes. Na década de 20, o intendente Laudelino Lorens fez o primeiro projeto urbanístico do antigo espaço, aumentando o seu tamanho por meio da construção do cais limítrofe ao Cachoeira, acrescentando o calçamento e aformoseando-o com um belo jardim, proporcionando-lhe mudança de status: de largo para praça. O gestor seguinte, Henrique Alves, tentando ofuscar o brilho do lugar, pois levava o nome de seu antigo opositor, cercou-a por dois anos (1926-1928), alegando que o objetivo era proporcionar ainda outras melhorias, que nunca aconteceram. Assim, os munícipes foram enganados e ainda privados do espaço recentemente planejado.
Há muitas outras estórias e histórias memoráveis da Olinto Leone, mas essas bastam para cientificar os itabunenses de seu valor e significado. Espero que essas linhas, que mostram parte da história da praça, promovam ao leitor a consciência da importância de se conhecer o espaço público e de se preservar o patrimônio histórico itabunense.
*Clóvis Júnior é responsável pelo perfil @historia.grapiuna no Instagram e escreveu o livro “Sequeiro do Espinho: passos de um conflito” da A5 Editora.
Foto: Cedoc /Uesc