Por Walmir Rosário*
O mundo está cada vez difícil de se entender. Muitas vezes as mudanças rápidas e repentinas nos deixam de boca aberta, cabelo em pé, e até completamente mareados com o rumo dos acontecimentos. E olha que não estou falando somente das novas tecnologias, que sob o pretexto de nos deixar mais informados e à vontade, faz com que nos ocupemos mais. Estou me referindo aos costumes, cada vez mais estranhos.
Confesso que fico com saudades daqueles bate-papos à noite nas praças próximas de casa ou sentados em cadeiras e no chão dos passeios. Antes, já tinha dado um pequeno expediente no boteco, conferindo as mais novas notícias política e do esporte, muitas vezes da vida alheia. Ao chegar em casa, tomava um banho, jantava e saia para confraternizar com os vizinhos.
A depender do dia, ouvia as resenhas esportivas das capitais, um programa ou outro de humor produzido pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, as famosas radionovelas, a exemplo do Direito de Nascer. Hábitos esses que também sofreram mudanças bruscas com a introdução dos canais de televisão, obrigando quem não tinha o privilégio de possuir um aparelho em casa ir à casa do vizinho assistir a essa modernidade.
No intuito de oferecer mais prestimosos serviços à clientela, os botecos também começaram a se modernizar, instalando bem próximo e acima do aparelho de rádio, um televisor, cuja importância era avaliada não pela marca ou tamanho da tela, mas pelo tamanho e a altura da antena. Ao contrário da nitidez dos atuais canais em HD, nos contentávamos em conseguir vislumbrar as visagens mostradas na tela, animadas pelo áudio. Pouco ligávamos! O bom mesmo era ver as novidades.
Em Itabuna, um desses bares a implantar um pequeno televisor foi o Antunes, do Bar e Sorveteria Triunfante, na cabeceira da ponte velha (Góes Calmon) entre o centro da cidade e o bairro da Conceição. E ele sempre jurou que nunca passou por sua cabeça querer concorrer com o lar, a família de seus clientes, e sim uma exigência deles para chegarem em casa bem informados, inclusive das conceituadas novelas.
Com o passar dos anos e a profusão de canais televisivos, inclusive os de assinaturas, a diversidade de segmentação, os televisores foram perdendo a atenção dos clientes, muitos dos quais reclamavam de perturbarem a conversa. Cada vez mais os botecos passaram a ter uma clientela segmentada, frequentadores afins, criando as famosas confrarias, blocos de carnaval e confraternização de Natal, esta, com as famílias.
Em Canavieiras, até pouco tempo a Bomboniere Lua de Mel, que dividia seu espaço entre estudantes em busca de doces e outras guloseimas, fumantes, boêmios e jogadores de dama, parecia uma “Arca de Noé” diante da diversidade. Pois não é que seus clientes – os jogadores de dama e os boêmios – pagavam mensalmente em carnê, cujos recursos eram utilizados numa confraternização de Ano Novo.
No início de 2014, por decreto do Poderoso Presidente Eduardo Teles, a confraternização foi extinta, sob o argumento de que, apesar de gratificante, seria muito trabalhosa e fugia
à rotina do restante do ano. E o caminho tomado por Eduardo foi um baque nos também membros da Confraria d’O Berimbau, extinta com o passamento de Neném de Argemiro e somente reaberta em 2015 pelo seu genro José Gama (Zé do Gás).
Para não depender da vontade e do humor dos proprietários dos botecos, o irreverente jornalista aposentado Tyrone Perrucho resolveu criar o Clube dos Rolas Cansadas, que realizava as reuniões itinerantes a cada quinta-feira. Pela denominação esdrúxula e excêntrica, muitos dos convidados relutavam em comparecer às reuniões, embora fosse chegando aos poucos, aumentando o quadro de associados.
Mas com a pandemia, as reuniões das quintas-feiras foram rareando, em virtude da ausência de associados. A última delas foi realizada no Bar Deus é Mais-4, no Jardim Beira-rio, no bairro Burundanga, em homenagem ao casal mineiro Gilbertão e Dulce, que mudou-se para Santa Cruz Cabrália, regada a muita cerveja, churrasco de novilho, bode, e linguiça de frango.
Uma das presenças ilustres foi a do artista plástico Eliomar Tesbita que se confundiu com o calendário e participou de reunião do Clube da Rola Cansada, em que se recusava a ingressar, certo de que estava presente em reunião da Confraria d´O Berimbau, que ele admira e elogia, conforme anotou o jornalista Tyrone Perrucho. Isso foi o que teria facilitado o equívoco do artista, que viveu mais de 40 anos em São Paulo e Salvador, e voltou a radicar-se em sua terra natal.
Na esteira das comemorações, no sábado seguinte também foi realizada uma assembleia da Confraria d’O Berimbau, no Bar Mac Vita, com a sentida ausência do confrade Tyrone Perrucho, já com sintomas de infecção da Covid-19. Mesas postas, churrasqueira acesa, freezers abertos, o encontro não ocorreu como esperado, haja vista a apreensão com o estado de saúde do confrade.
Pois bem, para economia de conversa e tristeza nossa, o confrade Tyrone Perrucho empreendeu sua última viagem e até hoje nenhuma das duas portentosas instituições – Confraria d’O Berimbau e Clube dos Rolas Cansadas – voltou a funcionar. Esses dias, ao fazer uma reclamação formal ao confrade Nélson (Amarelão) Barbosa, de chofre, do alto dos seus 85 anos, ele respondeu:
– Seu Rosário, que falta nos fazem esses duas instituições, mas Tyrone carregou as chaves e os livros de ata das duas instituições e apenas aguarda a nossa chegada para fazermos nossas estripulias lá no céu, mesmo tendo sido ele agnóstico –, suspirou.
Pois é, enquanto isso vamos arregimentar os confrades para tomarmos de assalto o sítio de Alberto Fiscal, lá pras bandas da Atalaia, pelo menos um dia por semana.
*Radialista, jornalista e advogado.