Por Lisdeili Nobre*
Qual é a sua memória, quais são os seus costumes? Qual é a sua identidade cultural? Se você tem as respostas, responda-me, por favor, outra indagação. Seus costumes estão em conformidade com a sua ancestralidade? Você corresponde as suas verdadeiras raízes? Você conhece a história do seu povo?
Se você tem dúvidas ao responder as minhas indagações, é porque sua história foi ou está sendo apagada. Esta semana tivemos o Bicentenário do 02 de julho na Bahia, o verdadeiro marco histórico da independência do Brasil. Bom, era para ser ensinado assim, mas nos livros de História utilizada na educação infantojuvenil, as crianças ainda aprendem que o Brasil tornou independente com o “grito do Ipiranga”, realizado por Pedro de Alcântara (D. Pedro I durante o Primeiro Reinado), às margens do Rio Ipiranga, no dia 7 de setembro de 1822. Eu também aprendi desta forma, e você? Mas não foi este momento que se consolidou nossa independência, muito menos foi Dom Pedro I o grande e único herói da separação política entre Brasil e Portugal.
Apesar que Dom Pedro mobilizava tropas no Rio de Janeiro, que era a capital do Império na época, o que foi também decisivo, não me contaram na escola que a independência se consolida na Bahia em 1823. Não me contaram que os verdadeiros heróis desta batalha contra os nossos colonizadores foram homens escravizados, recém libertos, mulheres e indígenas que compuseram as trincheiras contra os portugueses.
Por acaso, estou de férias na minha cidade natal em Uberlândia/Minas Gerais e andei perguntando por aqui, se alguém conhece Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa, as quais lutaram em Salvador e recôncavo baiano contra os portugueses. Já esperava a resposta: ninguém ouviu falar destas heroínas na independência.
A independência do Brasil não é propriamente uma festa militar, como 07 de setembro e sim festa popular, onde o povo é protagonista, tal como ocorre no 02 de julho nas ruas de Salvador.
A importância deste resgate histórico, significa a preservação da nossa identidade brasileira e a possibilidade de novas leituras em busca de independência e descolonização. O 02 de julho na Bahia tem sido este campo para novas batalhas, tais como: o feminismo inspirado em Maria Quitéria, que conquistou um espaço nas forças militares, o que era ocupado exclusivamente por homens. Da mesma forma, novas lutas por liberdade, descolonização, decolonização são destacadas como as populações negras, LGBTQIA+ e indígenas.
Por conseguinte, 02 de julho é um momento de resgaste, de reverter a contínua colonização que nunca se findou no Brasil, nem mesmo em 1823 na Bahia. A colonização se estrutura e fortalece através de um processo sistemático de apagamento da história, o que leva a população à costumes monoculturais ocidentalizados, o que é definido por Epistemicídio, termo cunhado pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos.
Dessa maneira, procedemos a nossa habitual arqueologia cultural em busca das marcas da nossa história diluída e escondida, mas não tão coberta, que nos permite revelar a nossa verdadeira e rica identidade cultural.
*Doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, Delegada de Polícia Civil, Docente do Curso de Direito, Porta-voz Municipal da Rede Sustentabilidade de Itabuna, Cronista de diversos Blogs, Abolicionista Penal, Ativista social em projetos de Políticas Criminais de Prevenção Primária e sustentabilidade ambiental.